Título: Política de vetos recíprocos
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 11/12/2005, O Globo, p. 2
Que a taxa de radicalização política chegará ao paroxismo na campanha eleitoral já está claro e explicitado. Dessa luta corporal, em que tudo será canela abaixo da linha do pescoço, não ficarão apenas hematomas pessoais. Haverá um país a ser governado, com todos os seus problemas, necessidades e deficiências, inclusive institucionais. O grande perigo é o de que partamos para uma política de vetos recíprocos, um permanente acerto de contas que privará qualquer grupo vencedor das condições de governar.
Reflexões como essas perpassam os poucos nichos, habitados por governistas ou oposicionistas, ainda não transtornados pela sanha eleitoral. Um exemplo de governista com essa preocupação é o ministro Jaques Wagner, que se vale da delicadeza baiana para abrir portas trancadas de oposicionistas em busca de diálogo. Enquanto faz isso, o presidente Lula dinamita a ponte chamando a oposição de golpista. Outro exemplo, na oposição, é o deputado Raul Jungmann, apesar do espírito belicoso de seu PPS.
¿ Ando preocupado. As pessoas estão pensando em 2006 esquecidas de que em 2007 alguém terá de governar este país. A seguirmos com essa escalada retórica de um lado e de outro ¿ e não estou generalizando ¿ quem vencer pode tornar-se vítima da política de vetos que, na Argentina, depois de Menem, levou àquele ciclo de ingovernabilidade que custou caro aos argentinos.
E isso vale tanto para um cenário de reeleição do presidente como de vitória da oposição. Tal cultura política alimenta-se de ressentimentos como os que estão sendo criados pela crise política em curso. Ela induz o grupo apeado do poder a caneladas a ter como único objetivo inviabilizar o governo do vencedor.
O Brasil experimentou a política de vetos nos anos 50, quando Lacerda e sua UDN diziam que, se JK ganhasse a eleição, não tomaria posse e se tomasse posse não governaria. Esses vetos civis tinham, naquela época, ecos nos quartéis. De vetos e levantes seguidos, chegamos a 1964. Com a redemocratização, banimos a cultura dos golpes mas estamos construindo as condições para a política de vetos partidários, que pode ter como coadjuvantes os movimentos sociais que expressam as demandas não atendidas pelo Estado nestes 20 anos de democracia.
Já no governo Fernando Henrique, o PT e os outros partidos da oposição de esquerda praticavam o veto quando boicotavam propostas como a criação do Fundef e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que no poder viriam a abraçar. Na oposição, o PSDB começou colaborando com a aprovação das reformas de Lula mas bem antes da crise, já na campanha eleitoral de 2004, armou sua cruzada para enfraquecer o PT e evitar sua permanência no poder. A disputa pela Prefeitura de São Paulo foi o ensaio mais claro. Quando Roberto Jefferson abriu a cortina e mostrou o que o PT fazia no quarto dos fundos enquanto Lula encantava o mundo, tucanos e pefelistas ganharam um hábeas-corpus para calçar chuteiras e usar o soco inglês.
O ambiente político que estamos criando já seria perigoso, diz Jungmann, se fôssemos um país com democracia mais provecta, instituições maduras e sistema político mais racional. Num quadro partidário em que não há perigo de um presidente sair consagrado das urnas mas dotado de maioria parlamentar, estamos brincando com gasolina e fósforos.
¿ Apesar da crise e de suas causas tão claras, não fomos capazes de produzir qualquer mudança nas regras eleitorais. Vamos para a eleição com o mesmo sistema que propiciou o surgimento do valerioduto, a versão maleficamente aprimorada de métodos que já existiam. Os partidos vão sair das urnas em frangalhos e seus líderes, encharcados de rancor.
Abraçados ao rancor, não há dúvida de que os derrotados estarão vetando o vencedor no dia seguinte. Transição civilizada? Hoje, nem pensar.
É a campanha!
Nada mais sintomático do início da campanha eleitoral do que a reaparição dos vídeos da campanha de Lula em 2002. Alguns deles ¿ aqueles em que o candidato faz suas promessas de governo ¿ serão exibidos pelo presidente do PFL, Jorge Bornhausen, numa entrevista coletiva que dará quinta-feira, 15, para fazer um balanço dos três anos do governo Lula.
Municiado de dados que uma equipe técnica vem colhendo no Siafi e no Ipea, Bornhausen vai bater forte no desempenho administrativo do governo, mostrando que a má execução orçamentária sacrificou projetos e privou de recursos a área de segurança e a política de moradia (dois setores em que o governo passado também falhou forte).
Mostrará os vídeos ao fazer um ¿inventário do estelionato eleitoral¿, lembrando promessas sobre a geração de empregos, criação de farmácias populares, duplicação do valor real do salário-mínimo. Não baterá no Bolsa Família, mas dirá que os avanços na redução da pobreza, mostrados pela pesquisa Pnad, são fruto, em grande parte, do prolongado controle da inflação a partir do Plano Real e dos programas constitucionais como Loas e a aposentadoria rural. Como última rajada, uma súmula das denúncias que já atingiram o PT e o governo.
NA TERÇA-FEIRA o PTB faz convenção para reeleger Martinez Filho presidente até 2007. Vitória aparente do grupo de Roberto Jefferson, que vem se batendo para tirar o partido da órbita do PT em 2006. Mas com a verticalização, o PTB tende a não apoiar ninguém para presidente, ficando livre para fazer as alianças que quiser, onde quiser.