Título: BOLSA DE VOTOS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 11/12/2005, O País, p. 4

Se o Presidente Lula decidir-se pela reeleição, o cenário mais provável apesar de suas hesitações, terá na Bolsa-Família para 11 milhões de famílias seu maior trunfo eleitoral. Um trunfo nada desprezível num país em que nada menos que 85% dos municípios têm até 25 mil eleitores, e onde os grotões têm peso decisivo nas eleições majoritárias, concentrando um patrimônio eleitoral de quase 38 milhões de eleitores, num total de 115 milhões. Nesse mercado político, o Nordeste se destaca com um potencial de votos da ordem de mais de 14 milhões. Não por acaso, é no Nordeste, no Norte e na população que ganha até 5 salários mínimos que está concentrado hoje o que resta de popularidade a Lula. Enquanto na média brasileira apenas 46,7% da população aprova o presidente, no Nordeste a taxa de aprovação sobe para 59%, e no Norte chega a 54,6%.

O economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV, tem estudos que mostram quão poderoso é o efeito de políticas de rendas nos períodos eleitorais. As três maiores quedas de pobreza acontecidas no Brasil nos últimos 25 anos se deram em anos eleitorais: 2002, 1994 e 1986. A experiência de 2002, no entanto, mostra que os efeitos dessas medidas podem não ter reflexo nos resultados eleitorais. A comparação entre as votações de Serra, o então candidato do governo, no Rio e em Alagoas, é um bom exemplo. Alagoas foi o Estado que teve a maior concentração de bolsas por habitante, e o único estado em que Serra ganhou de Lula. O Rio foi um dos três estados onde não houve um único município escolhido pelo programa, e a oposição venceu largamente, primeiro com Garotinho e depois com Lula. Mas no restante do país, a vitória de Lula se impôs, apesar da redução da pobreza devido à chamada ¿rede de proteção social¿ que o governo Fernando Henrique havia implantado.

A redução da pobreza verificada em 2004 deverá, segundo Marcelo Neri, se repetir este ano, apesar do crescimento menor. Isso porque o aumento real do salário-mínimo de 9% já causou este efeito. Segundo Neri, como ano que vem teremos eleições, possivelmente ocorrerá novo ciclo movido à base de políticas de rendas. Marcelo Neri explica que historicamente a utilização de políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros objetivo político-eleitorais gera ¿Ciclos Políticos de Negócios¿ (CPNs), cuja principal característica é a redução do desemprego em períodos pré-eleitorais, resultante de políticas cujo objetivo seria proporcionar um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado eleitoral.

Após esse período de crescimento, no entanto, o período pós- eleitoral é caracterizado por inflação em alta, cuja conseqüência é a adoção de políticas macroeconômicas contracionistas. ¿Esta instabilidade, além de problemática do ponto de vista ético, é danosa à taxa de crescimento de longo prazo da economia¿, critica Neri. Alguns exemplos estudados por Marcelo Neri:

1986: O Plano Cruzado, lançado pelo Governo Sarney em fevereiro de 1986 teve a duração de 9 meses e foi substituído pelo Plano Cruzado II, seis dias depois de o Governo ter obtido a maior vitória eleitoral da história da República: elegeu a totalidade dos governadores, e quase dois terços da Câmara e do Senado e das Assembléias Legislativas. Com os salários congelados há nove meses, a população teve aumentos num só dia de 60% no preço da gasolina e 120% dos telefones e energia, entre outros. Segundo Neri, a comparação pré e pós-eleitoral em 1986 revela que a proporção de indivíduos que obtiveram reduções de renda é superior, no período pós-eleitoral, para todas as faixas de educação, o que o identificaria como oportunista.

1989, à semelhança de 1986, apresenta um componente oportunista: queda de renda no período pós-eleitoral, quando comparado ao período pré-eleitoral, é generalizada.

Em 1994, o Plano Real não tem características oportunistas: cinco dos seis grupos analisados apresentam melhor desempenho de renda no período pós-eleitoral (a exceção é o grupo de universitários). Os grandes beneficiários do surpreendente boom pós-eleitoral são os analfabetos.

Já o ano de 1998 apresenta proporções de reduções de renda em níveis bastante superiores aos observados nos três episódios pré-eleitorais anteriormente analisados. Segundo Neri, devido às crises externas, o governo não teve a oportunidade de gerar um ambiente eleitoral propício, mas apenas postergou a adoção de medidas impopulares como a desvalorização cambial.