Título: MAIS DE MEIO MILHÃO DE CRIANÇAS SEM MERENDA
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 11/12/2005, O País, p. 15

Por burocracia ou problemas de gestão, 226 municípios não recebem verbas federais para a alimentação dos alunos

BRASÍLIA. Por burocracia, problemas de gestão ou desvios, 226 prefeituras estão sem receber recursos federais para a merenda escolar. Nesses municípios havia 565 mil alunos matriculados em creches, pré-escola e ensino fundamental no início de 2005. A maior parte ¿ 441 mil ¿ estudava em escolas de ensino fundamental.

A suspensão atingiu até Guaribas (PI), onde foi lançado o Fome Zero, e Itinga (MG), cidade escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apresentar a miséria aos então recém-empossados ministros, em janeiro de 2003. Das 226 cidades excluídas dos repasses de dezembro, 18 estão entre as 500 mais pobres do país e donas dos piores lugares no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano municipal ¿ que resume as condições de pobreza no país.

O corte de recursos tem justificativa do ponto de vista legal. Ficam sem repasses os municípios que não prestaram contas da verba recebida no ano anterior ou não renovaram a composição dos chamados conselhos de alimentação escolar (CAEs), cuja função é fiscalizar a aplicação do dinheiro.

Mas a suspensão atinge alguns dos mais pobres municípios brasileiros, justamente o foco original do Fome Zero. E o motivo, às vezes, é banal: atraso no envio ao governo da documentação necessária. Alguns dos novos prefeitos não foram à Justiça para obrigar o antecessor a prestar contas. Nesses casos, basta que o novo prefeito procure o Ministério Público e entre com uma ação na Justiça para voltar a receber o dinheiro da merenda.

Cidade ficou sem R$12 mil

Poço Dantas, na Paraíba, por exemplo, ocupa o 5.461º lugar no ranking do IDH-M. Ou seja, está entre os 50 municípios com piores condições de vida do país. Mesmo assim, a prefeitura já deixou de receber R$12 mil desde setembro por falta de renovação do CAE. Mil alunos estudam na rede municipal.

¿ Queremos usar o recurso, dando maior abrangência e eficiência ao programa. Por isso, ficamos telefonando para as prefeituras. Mas muitos prefeitos nem atendem, é terrível. Às vezes só falta pegarmos o prefeito no colo e fazer a prestação de contas ¿ diz o diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Daniel Balaban.

Das 226 prefeituras com recursos suspensos, 44 não prestaram contas. Esse foi o caso de Guaribas. Classificada em 5.504º lugar no ranking do IDH-M, recebeu apenas o primeiro repasse do ano, destinado a todas as prefeituras, inclusive às inadimplentes. Depois veio o corte e, segundo informações que chegaram ao FNDE, as escolas suspenderam a merenda.

A solução veio apenas depois que o caso ganhou as páginas dos jornais. A secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Márcia Lopez, envolveu-se pessoalmente para tirar Guaribas da lista de excluídos. Ela entrou em contato com representantes do governo do Piauí e da prefeitura para resolver o problema. Guaribas vai receber o último repasse do ano, que será depositado até terça-feira.

O governo federal dispõe de R$1,2 bilhão para ajudar prefeituras e governos estaduais a servir merenda. Balaban estima que cerca de R$15 milhões deixarão de ser liberados em 2005 por conta das suspensões.

Itinga, no Vale do Jequitinhonha, figura na mais recente lista do FNDE. A cidade está em 4.236º lugar no ranking do IDH-M e foi visitada por Lula por causa de sua extrema pobreza. A secretária de Educação de Itinga, Maria Silmária Alves da Silva, diz que o CAE foi renovado a tempo e o aviso enviado ao FNDE na semana passada. Durante o ano, a prefeitura deixou de receber outros repasses por falta de prestação de contas. O problema foi corrigido. A secretária afirma que nenhuma criança ficou sem merenda, pois o município bancou as refeições com recursos próprios.