Título: O PT SEM RÉDEAS
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 12/12/2005, O País, p. 4

Ah, que falta faz o companheiro José Dirceu numa reunião do PT. No governo, aprontava uma confusão dos diabos com Palocci, mas na hora H dava um jeito de segurar o partido. Era previsível o ataque do diretório petista à meta do superávit primário ¿ pilar da política paloccista que agora encarna o senhor de todos os males para alguns. Mas é prenúncio de grandes complicações.

Complicações não só no governo, onde a resolução do diretório nacional do PT deste fim de semana vem reavivar o fogo da disputa Dilma x Palocci. A nova correlação de forças petista, agora expressa na prática numa posição partidária que bate de frente com a política econômica, será, sobretudo, uma pedra no sapato do candidato Lula à reeleição.

Não que uma resolução do PT, depois de tudo, tenha lá essa importância toda nos dias atuais. O próprio presidente do partido, Ricardo Berzoini, que neste fim de semana aliou-se a setores da esquerda para aprovar o documento no diretório, tem dito que o momento é de separar partido e governo. O PT pode ter suas posições, fruto do embate interno, sem que necessariamente o Planalto tenha que adotá-las. Até porque, reconhece, o governo não é apenas petista e representa uma coalizão.

Tudo muito bem, tudo muito bom, se não estivéssemos às portas de uma campanha eleitoral em que a política econômica será, mais uma vez, ingrediente delicadíssimo. Mal ou bem, Lula será candidato pelo PT. Queira ou não, tem que ter um programa de governo ¿ que, pela lógica de quem pleiteia a continuidade no poder, não pode dar um cavalo-de-pau no que vinha sendo seguido.

Não é preciso ir longe para imaginar as muitas emoções que vão marcar a discussão da nova Carta aos Brasileiros no PT. Vão escrever o quê? Tem meta de superávit ou não? Acabou a ¿transição¿ econômica do primeiro governo Lula e um eventual segundo mandato petista deixará em segundo plano compromissos com o ajuste fiscal para dar lugar à prioridade do desenvolvimento? Juros vão despencar, mas e a inflação?

O papel aceita tudo. A realidade ¿ como constatou Lula ao assumir e se tornar um ¿conservador¿ na política econômica ¿ é outra. O jogo eleitoral vai se construindo com uma série de variáveis negativas para o presidente. Ainda é candidato forte, mas perdeu o apoio da classe média em função dos escândalos de corrupção no PT e agora, com o encolhimento do PIB, entra numa de zona de risco na economia ¿ seu argumento mais forte junto às elites na busca pelo segundo mandato.

Lula sabe que tem que dar um jeito nas coisas. Mas na sintonia fina dos juros, na calibragem do superávit, com Palocci e sem mudanças radicais. Esse é o grande nó a ser desatado para 2006. De preferência, sem fogo amigo. Como disse ele próprio outro dia, essa história de fogo amigo não existe. É fogo e queima do mesmo jeito. Venha de onde vier.

No Planalto, o caminho das pedras é Aécio

Nos bastidores da sucessão, um jogo complexo começa a se formar e pode levar a uma aliança tácita entre o candidato Lula de 2006 e o futuro candidato Aécio Neves de 2010.

O Planalto percebeu que o problema do governador de Minas é garantir a vaga de sucessor do sucessor de Lula (que pode ser o próprio Lula). Vai ficar difícil se 2006 levar um tucano ao Planalto. Serra ou Alckmin acabariam sucumbindo à mosca azul da reeleição.

Mas se Aécio puder se reeleger governador ano que vem com um certo corpo mole de Lula e do PT em Minas e, em troca, também fizer corpo mole e ajudar na reeleição presidencial, serão muito menores as chances de ficar a ver navios em 2010. Há quem diga até que a tão sonhada e hoje totalmente inviável união PT-PSDB pode acontecer nesse futuro não tão remoto.

Ninguém admite explicitamente a estratégia, nem de um lado, nem de outro. Mas ela aparece nas entrelinhas do que diz um antigo defensor da idéia, o ex-ministro Luiz Gushiken:

¿ Há hoje no país uma disputa entre dois partidos hegemônicos com base social, o PT e o PSDB. Eles estão se tornando inimigos viscerais, num processo de radicalização, e isso pode provocar um choque político extremamente negativo. O grande problema do PT e do PSDB é São Paulo. As brigas internas estão em São Paulo, onde também brigam entre si. Ou os dois são capazes de superar esse impasse e encontrar o caminho para uma convivência pacífica, ou vamos ter um conflito visceral ¿ diz.

Para bom entendedor: a solução pode passar por Minas.