Título: PM PUNE CARIOCAS
Autor: NILSON MELLO
Fonte: O Globo, 12/12/2005, Opiniao, p. 7

APolícia Militar supõe que as blitzes têm amparo constitucional. Não têm. Pelo menos não da maneira como são realizadas. A PM confunde dispositivos constitucionais, criados para se alcançar fins indispensáveis ao bem-estar coletivo, com os meios a serem empregados na efetivação desses objetivos preconizados pela mesma ordem constitucional.

Que é seu dever coibir a criminalidade não resta dúvida ¿ e é o que todos os cariocas esperam que faça. Mas a Constituição, apesar de detalhista, não esmiuçou que procedimentos a polícia deve adotar no desempenho de suas funções, sendo certo, porém, que deverá se nortear pela razoabilidade, proporcionalidade e racionalidade, preceitos inarredáveis para a atuação dos órgãos do Executivo.

Na promoção da segurança, cumpre à PM sopesar suas ações, considerando o respeito a princípios fundamentais, a fim de não subtraí-los. Ora, as blitzes se repetem de tal forma que colocam em xeque a liberdade de ir e vir (art. 5º, XV da Constituição). Criou-se um enorme obstáculo ao exercício de um direito, sem avanços palatáveis na segurança. Seus resultados são ínfimos, dada a dimensão do problema da violência, e seu ônus, gigantesco ¿ representado pelo nó diário no trânsito da cidade. Trata-se de um excesso.

Alega a PM que as blitzes seguem ¿planejamento de inteligência¿. Difícil crer ¿ até porque elas são realizadas rotineiramente em pontos conhecidos. E não se tem notícia de que uma grande quadrilha de traficantes tenha sido desbaratada como conseqüência dessas operações. O procedimento pode até parecer legal, mas não é legítimo, dada a sua ineficácia. A essência da legalidade também resta comprometida, na medida em que tais ações implicam compressão de outros direitos.

Sem precisar o período analisado, a PM informa que as blitzes têm permitido prisões por porte de carteira de habilitação e registro de veículos falsos. A questão é: isso contribuiu para reduzir a criminalidade? Não, pois tais delitos, além de já terem acontecido quando da realização das operações, não são os mais expressivos da questão da violência, comprovando o equívoco estratégico. Acrescente-se à inconveniência de locomoção a possibilidade de corrupção que essas ações ensejam, e chega-se facilmente à percepção de sua inadequação.

Assim, se a PM não tem idéia melhor para combater a criminalidade, que ao menos não puna o cidadão de bem com essas lenientes e improdutivas operações.

NILSON MELLO é jornalista.