Título: CASOS DE CASUÍSMO
Autor: Luiz Garcia
Fonte: O Globo, 13/12/2005, Opinião, p. 7

Os dez mandamentos (número simbólico, aqui usado em homenagem a Quem o usou pela primeira vez, com grande sucesso de crítica) da classe política deveriam ter este como primeiro: ¿Não se mudará o sistema político, em qualquer de suas regras básicas, para atender a situações de momento.¿

A longo prazo, sem dúvida alguma, o permanente tem mais peso que o episódico. Não é assim no mundo político, que adora o casuísmo. É verdade que volta e meia ele quebra um galho ¿ mas sempre enfraquece a árvore. Às vezes, derruba-a.

Depois do regime militar, o mandato presidencial no Brasil passou de cinco anos sem direito a reeleição para quatro com reeleição. Agora, como temos uma crise política, fala-se na volta ao sistema anterior, que vigorou apenas no governo Sarney. Há quem pregue quatro anos sem reeleição. É até surpreendente que não estejam brigando por espaço os parlamentaristas. E os monarquistas, onde andam?

Sugere-se à classe política que consulte qualquer bom jogador de pôquer. Ele dirá que é o comportamento dos jogadores e não as regras que garantem a honestidade do jogo. É igual na política: o nível de seriedade do sistema depende principalmente do espírito público do elenco. O parlamentarismo inglês, o presidencialismo americano e o original sistema misto francês têm estruturas bastante diferentes, mas funcionam; e jamais se atribuiu às normas e mecanismos ¿ e sim a personagens do momento ¿ qualquer responsabilidade sobre crises políticas.

No Brasil, mais do que de presidencialismo ou parlamentarismo, gostamos muito é de casuísmo. O prazo legal para qualquer mudança no sistema um ano antes das eleições presidenciais acabou em setembro. Isso não impede que cruzem o ar sugestões sobre mudanças nos mandatos. Não é só perda de tempo: trata-se também de uma discussão que atrasa e atrapalha os temas reais de uma reforma política de verdade.

Duas medidas da sempre defendida e perpetuamente sabotada reforma política são, no momento, as principais vítimas do diversionismo. Uma é a cláusula de barreira, que limita a proliferação de partidos nanicos. Outra, a verticalização, que impede aos partidos se aliarem a uns no pleito presidencial e a outros nas eleições regionais. É, pode-se dizer, a norma da coerência obrigatória. Ou a exigência do primado dos princípios sobre as conveniências. Talvez por isso mesmo, está com morte anunciada e pode cair a qualquer momento.

Num sistema em que a verticalização tornasse obrigatória a coerência, alianças eleitorais obedeceriam, para começo e fim de conversa, ao parentesco entre os programas. Na prática, sobre isso sequer se joga conversa fora, nas negociações de pactos eleitorais.

Já o tititi sobre mudanças na duração dos mandatos presidenciais provavelmente não levará a lugar algum ¿ exceto, o que já é bastante grave, a roubar o pouco tempo existente para tratar de coisas sérias. Na verdade, não só o tempo parece curto. Também é pequeno, às vezes praticamente invisível, o espírito público daqueles que falam alto nos plenários e fazem corpo mole na hora de brigar pelo essencial e o verdadeiro.