Título: Eles perderam
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 13/12/2005, Economia, p. 22

De tão afeito às metáforas futebolísticas, o presidente Lula acabou encarnando uma de suas mais injustas lendas: ¿Eu ganhei, nós empatamos, eles perderam.¿ Ao duvidar da queda do PIB brasileiro no terceiro trimestre, o presidente incorporou o espírito do técnico que festeja sozinho a vitória e atribui à equipe a derrota. Quando a economia cresce 4,9%, como em 2004, Lula ganha. Se cai 1,2%, quem perde é o IBGE, o órgão responsável por ambos os cálculos.

Um presidente da República não deveria lançar dúvidas sobre o instituto oficial de estatísticas, como tem feito Luiz Inácio Lula da Silva. O risco é empurrar o IBGE para uma crise de credibilidade que porá em xeque toda e qualquer informação por ele produzida. Ou mais: deixar o governo sob suspeita de fazer pressões políticas, ferindo a autonomia das instituições, a cada resultado fora do previsto.

Os especialistas têm todo o direito, e até o dever, de apontar inconsistências metodológicas ou fragilidades na base de dados para ajudar a explicar determinado desempenho. Na recessão e também no crescimento. O IBGE está obrigado a responder, com paciência e boa vontade, a essas dúvidas. É parte da necessária transparência na divulgação das estatísticas.

O presidente Lula tem mais que o direito de, ao não compreender um cenário econômico, solicitar informações adicionais. Mas erra ao afirmar, em reuniões políticas, que os números do PIB estão errados e serão revistos. Pior ainda é citar prováveis resultados. Isso ameaça a independência do IBGE, cujo calendário de divulgação do PIB é previamente conhecido.

Mais benéfico para o país seria se Lula, em vez de rejeitar a queda, se dedicasse a compreender os números do PIB e a desenhar ações para superá-los. Na semana que antecedeu a divulgação, os técnicos do IBGE viraram noites refazendo as contas para confirmar, sob todas as hipóteses possíveis, a retração de 1,2%.

Errada ou não, a metodologia que explica essa queda é a mesma que chegou à alta de 1,1% no segundo trimestre. Esta também surpreendeu analistas, mas fez o presidente festejar. O PIB caiu no terceiro trimestre porque a atividade econômica sentiu o peso de uma política monetária dura combinada a uma grave crise política. A produção, que crescera entre abril e junho, parou nos três meses seguintes. O consumo das famílias permaneceu em alta porque havia estoque e crédito.

O próximo PIB sai em fevereiro e, como a cada trimestre, pode ou não mudar. Se mudar na direção em que sonha o presidente, que ele tenha cuidado de reconhecer que ganhamos todos.