Título: Alckmin vai à luta
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 14/12/2005, O GLOBO, p. 2

Desta vez foi sem nariz de cera. Monossilabicamente decidido, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, respondeu: ¿Sou¿. Ele era o entrevistado de anteontem no programa ¿Roda Viva¿, que o apresentador Paulo Markun abriu perguntando-lhe se era candidato a presidente. Isto feito, Alckmin tratou de mostrar apetite tanto pela disputa interna com José Serra pela indicação do PSDB, como pelo enfrentamento com o presidente Lula, disparando críticas a seu governo.

Lembrado de que há alguns meses considerou a candidatura de Serra ¿inadmissível¿, inclusive pelo fato de ter se comprometido a governar os paulistanos por quatro anos, tratou de elogiar o colega mas disse continuar pensando da mesma forma.

E diferentemente da maioria dos tucanos, Alckmin não acha que já tenha chegado a hora de acabar com o instituto da reeleição. Feita a mudança, agora é preciso experimentar mais, diz ele. Afinal, foram apenas duas experiências, não estando demonstrada a culpa da reeleição pelo que de negativo ocorreu depois de sua adoção. A movimentação tucana neste sentido é vista exatamente como um estratagema para amaciar Alckmin e o governador de Minas, Aécio Neves. Sem reeleição, eles poderiam aceitar mais facilmente a candidatura de Serra em 2006 na medida em que terão chance de concorrer em 2010. Mas Alckmin, pelo visto, não mordeu esta isca nem vai entregar facilmente a rapadura da indicação ao prefeito. Pôs a modéstia e a conhecida reserva de lado para se apresentar como alguém preparado para o cargo, depois de acumular experiência administrativa como prefeito de Pindamonhangaba, deputado estadual, deputado federal, vice-governador e governador por duas vezes.

¿ Sou candidato para mudar o status quo e tenho as qualificações para isso.

E assim falando, destacou o perfil de bom gerente, com números na ponta da língua sobre suas realizações em São Paulo, em diferentes áreas. A escolha, acredita que acontecerá até março e por entendimento. Admite ser pouco conhecido fora de São Paulo mas diz estar sendo muito bem recebido em suas andanças país afora.

Diferentemente de Serra, seus ataques a Lula e ao PT não se concentraram na questão ética e nas acusações de corrupção. ¿Não se ganha eleição falando mal dos outros¿. Mas foi duro nas críticas à política econômica e ao desempenho administrativo do governo Lula:

¿ A política econômica está errada! Está travando o Brasil.

Não chega, porém, a propor o abandono do tripé que a sustenta: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Sua briga fundamental é contra os juros altos, que a seu ver devem cair não à custa de superávits elevados mas de enxugamento dos gastos públicos. Acha que há gordura demais para ser cortada na máquina federal. Nisso, difere fundamentalmente de Serra, cuja formação econômica atribui um papel mais ativo ao Estado como indutor do desenvolvimento. Herdeiro de Covas, que saneou as finanças paulistas às custas de um duro ajuste que incluiu corte nas despesas correntes, Alckmin acha que as metas do tripé até podem ser ajustadas (flexibilizadas, como dizem os petistas) mas que o essencial é cortar despesas e reduzir a carga tributária, o que deve explicar a preferência que por ele teria a elite empresarial paulista.

Certo é que o homem se lançou e mostrou que está disposto a enfrentar o ¿trator¿ Serra. Fora do ar, a conversa com os jornalistas prosseguiu, reforçando esta disposição. Alckmin quer aliança com o PFL mas não acha que manifestações de preferência (como a do prefeito Cesar Maia por Serra) vão influenciar a decisão do partido.

¿ Primeiro virá a decisão do PSDB. Depois vamos conversar com o PFL e outros possíveis aliados.

Mineiros contra o fogaréu

Enquanto os paulistas brigam (Marta e Aloizio Mercadante no PT, Serra e Alckmin no PSDB), ouve-se em Minas uma conversa diferente entre os cardeais mais importantes das duas ordens: o governador tucano Aécio Neves e o prefeito petista de Belo Horizonte, Fernando Pimentel.

Ao lançarem juntos ontem o parque tecnológico da capital mineira tentaram jogar água na fervura política que promete vulcanizar a campanha eleitoral do ano que vem.

Falando da crise, Pimentel disse que ela abre oportunidade para a correção de vícios que já deviam ter sido banidos do nosso sistema político.

¿ Infelizmente, não faremos mudanças neste ambiente trespassado de ressentimento, em que o ataque e a calúnia viraram esporte popular. Em 2006, teremos uma disputa sangrenta e sem quartel, com os antagonistas esquecidos de que haverá depois um país que ninguém governará sozinho, como chefe de um reino tribal. Para termos um cenário de disputa dentro da racionalidade, vou roubar uma expressão do governador: será preciso preservar as pontes para o futuro. Este é um desafio para os homens públicos de responsabilidade. Nisso tenho perfeita identidade com o governador e creio que podemos ajudar a evitar o pior dos mundos.

Aécio concordou:

¿ É muito importante que exista no partido que está hoje no governo, e também no campo da oposição, pessoas que consigam dialogar sem abdicar da divergência, que é natural e democrática, mas sem perder de vista os interesses do país. Estou convencido de que Minas pode ajudar a impedir uma radicalização que será nociva ao país.

Assim se apresentando, Aécio também se põe no jogo em que os paulistas se devoram.