Título: Cada ministro atira para um lado
Autor: Aguinaldo Novo, Adauri, Gerson C. e Cristiane
Fonte: O Globo, 14/12/2005, O País, p. 3

Críticas à política econômica dividem Ministério de Lula

Camarotti e Cristiane Junglut

Acusado de manter uma política econômica recessiva, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse ontem que ficou preocupado com as críticas do colega do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e que vai telefonar para ele pedindo para ¿não perder o ânimo¿. Em Hong Kong, onde participa de reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC), Furlan disse que o governo não tem objetivos nem metas e reclamou de uma ¿sensação geral de desânimo¿. Já o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não apenas apoiou Furlan como também a decisão do diretório nacional do PT, que no fim de semana cobrou mudanças na política econômica. É mais uma rodada de ataques que expõe divergências no ministério de Lula sobre a economia.

¿ Fiquei preocupado de o ministro Furlan se confessar um pouco desanimado. Vou pedir para não perder o ânimo, porque ele é um grande incentivador dos projetos que fizemos este ano ¿ disse Palocci, atribuindo ao trabalho do colega e de sua equipe o aumento das exportações. ¿ Ele é um ás de ouro deste governo.

Já o presidente do BNDES, Guido Mantega, reagiu dizendo que não faltam metas para o governo:

¿ Não concordo (com Furlan). Existem as metas. Essas metas já estão estabelecidas. É o planejamento de longo prazo que está sendo posto em prática. Basta ver os resultados. A indústria brasileira não crescia há quase dez anos. Nos últimos dois anos está crescendo a um ritmo ímpar, crescendo e gerando produtividade. Talvez o ministro Furlan esteja, digamos, um pouco decepcionado com o câmbio, porque para ele (o câmbio) é o motor do superávit comercial, uma tarefa dele. Mesmo assim ele está tendo êxito porque vamos superar US$40 bilhões este ano ¿ disse Mantega, subordinado a Furlan.

Depois de Furlan disparar críticas de Hong Kong, ontem o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, no Palácio do Planalto, disse que o PT e a sociedade esperam um ritmo maior de crescimento da economia. E, para isso, acrescentou Marinho, o Comitê de Política Monetária (Copom) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) precisam anunciar esta semana a queda da taxa básica de juros, a Selic, e a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo).

O presidente Lula, tentando aparentar bom humor, antes mesmo de ouvir perguntas sobre as declarações de Furlan, perguntou:

¿ Qual a fofoca do dia?

Marinho fez indiretamente a defesa de Furlan:

¿ O ministro referiu-se ao ânimo do mercado, da indústria, da economia. Temos de trabalhar em sintonia.

Mesmo afirmando que já tinha falado demais, Marinho disse que a decisão do PT de atacar a política econômica tinha o mesmo sentido das declarações de Furlan:

¿ Não tem problema com a decisão do PT. Não vamos fazer marola com isso. A resolução do PT está em sintonia com o que acabei de dizer. Podemos crescer à ordem de 5% ao ano e isso depende das decisões que serão tomadas agora.

Lula foi informado do teor das declarações de Furlan na segunda-feira e não gostou. O ministro é um dos mais elogiados pelo próprio Lula. De Hong Kong, ele telefonou ao presidente para explicar as declarações. Conversou com o secretário de Imprensa da Presidência, André Singer, dizendo que suas declarações foram tiradas de contexto e que isso modificara a essência do seu pensamento.

O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), atribuiu as declarações de Furlan às angústias do setor produtivo:

¿ Furlan expressa o setor produtivo, que neste momento mostra-se angustiado com a desaceleração da economia. Essa é a angústia de quem se preocupa com o crescimento do país ¿ minimizou.

Mas, no Congresso, as declarações de Furlan foram vistas pela oposição como um sinal de desgoverno e falta de autoridade presidencial.

¿ O Furlan é um bom ministro. Cumpre objetivos. É um oásis de competência nesse deserto de idéias petistas. Agora, essas declarações revelam o desgoverno. Isso mostra que o presidente Lula não comanda o governo. Esse tipo de debate só poderia acontecer, no máximo, para dentro. Nunca para fora ¿ disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM).

¿ O desalento a que Furlan se refere é o produto da falta de incentivo, de infra-estrutura, de proposta para o país ¿ afirmou o líder do PFL, senador José Agripino Maia (RN).

Furlan, em nota, diz ser o mais otimista

Em nota, Furlan disse que em nenhum momento afirmou que o governo não tem metas ou objetivos para 2006. ¿Perguntado se o governo não estabeleceria metas para o próximo ano, disse que na reunião ministerial de 19 de dezembro seriam apresentados os números para 2006, mas que se dependesse somente de mim, haveria também uma meta de crescimento¿, escreveu Furlan. Ele acrescenta que na entrevista afirmara que o governo trabalha ¿com as sinalizações do mercado, em vez de traçarmos os cenários que estimulem as empresas e a sociedade, o que é nossa obrigação. Afirmei que era preciso que fossem sinalizados os objetivos e os instrumentos para alcançá-los¿.

Furlan explicou ainda que ao ser perguntado se o Brasil realmente vem enfrentando um período de desânimo e se o setor produtivo também compartilha dessa percepção, diz ter afirmado que ¿muitas empresas fizeram cenários negativos de câmbio e juros, provocando uma sensação de desânimo que afetava as iniciativas, novos investimentos no país e o consumo. Complementei que, apesar disso, continuava sendo o ministro mais otimista da Esplanada¿.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que espera mudanças profundas na política monetária e fiscal ano que vem para que o país cresça de forma sustentada.

¿ A realidade mostra que há necessidade de mudanças. Agora, ninguém pode desanimar, deixar de estar na luta ¿ disse Skaf.

COLABOROU Wagner Gomes, do Globo Online