Título: VARIG: OPERAÇÃO PODE SER QUESTIONADA NA JUSTIÇA
Autor: Erica Ribeiro, Vagner Ricardo e Geralda Doca
Fonte: O Globo, 14/12/2005, Economia, p. 27

Deputado do Rio pede inquérito sobre acordo entre Fundação e Docas. Procurador do Sul estuda contestar compra

RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO. O acordo fechado na segunda-feira para tornar a Docas Investimentos o novo controlador da FRBPar e, indiretamente, da Varig corre o risco de se transformar em uma batalha judicial. As primeiras manifestações contra a venda para o grupo do empresário Nelson Tanure surgiram no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. O deputado estadual Paulo Ramos (PDT), do Rio, pediu ontem ao Ministério Público do Trabalho que instaure um inquérito civil público para investigar a aquisição. A representação será distribuída hoje para os procuradores decidirem se abrem ou não um inquérito.

A Docas está assumindo 25% das ações da FRBPar ¿ braço de participações da Fundação Ruben Berta (FRB) e controladora da Varig ¿ e ganhou o direito de usufruto de mais 42%, por US$112 milhões a serem pagos em dez anos.

Ramos apresentou um histórico dos problemas enfrentados pelos trabalhadores dos estaleiros Verolme-Ishibras (extintos), do ¿Jornal do Brasil¿ e da ¿Gazeta Mercantil¿ ¿ empresas de Tanure, contra as quais há centenas de ações trabalhistas ¿ e assinala que pilotos e aeroviários da Varig poderão ser lesados em seus direitos.

Assembléia de credores foi adiada para dia 19

Outra ofensiva pode partir da Procuradoria de Fundações do Ministério Público de Porto Alegre. O procurador Antônio Carlos de Avelar Bastos vai avaliar o acordo entre a FRB e a Docas, já que o negócio envolve as ações da Fundação. A procuradoria, segundo Bastos, poderá impedir a compra se a operação não levar em conta a responsabilidade do novo controlador pelo passivo da companhia. Tradicionalmente, Tanure assume empresas, mas não seus passivos.

¿ A Fundação Ruben Berta ainda não enviou detalhes do acordo com a Docas. Mas, em tese, não há como cogitar que alguém compre apenas uma parte da empresa e deixe o passivo de lado. É inviável ¿ disse Bastos, acrescentando que a Procuradoria de Fundações avaliará a idoneidade da Docas e de Tanure.

A assembléia de credores marcada para ontem na sede da FRB, no Rio, foi adiada por falta de quórum. Compareceram 85,3% dos credores da classe 1 (trabalhadores). Já os credores da classe 2 (com garantias e representados pelo fundo de pensão Aerus) eram menos de 1% e os da classe 3 (sem garantias, representados por Infraero e empresas de leasing), 35,1%. Uma nova assembléia está marcada para o dia 19. Segundo o presidente da Varig, Marcelo Bottini, a diretoria terá agora uma nova rodada de negociações com os credores.

O administrador judicial da Varig, Luiz Alberto Fiore, sócio da consultoria Deloitte, disse que os credores da companhia não têm o poder de vetar a compra da FRBPar:

¿ Tudo foi feito entre o controlador (FRB) e a Docas. Eles (credores) só podem interferir no plano de recuperação proposto.

Os credores públicos ¿ Banco do Brasil e BR Distribuidora, liderados por Infraero e Ministério da Defesa ¿ já têm claro que a única forma de impedir a tomada de controle da Varig por Tanure é vetar o plano de recuperação que a Docas apresentará. A decisão de vetar não está tomada ainda, pois isso significará a falência da Varig, mas as chances de acordo são pequenas.

Na avaliação de fontes próximas aos credores públicos, dificilmente Tanure se afastará da proposta inicial, feita ainda pelo grupo liderado pelo ex-presidente do Conselho de Administração da Varig David Zylbersztajn. No plano, já rejeitado pelos credores, pede-se desconto de 40% sobre a dívida total da Varig, perdão dos juros, três anos de carência e parcelamento do resto em 15 anos.

¿ Esse plano não foi aceito porque é calote puro ¿ disse uma fonte envolvida nas negociações.

Fontes da Defesa reconhecem que Tanure foi hábil ao negociar a compra de ações da FRBPar, e não da Varig. Pela nova Lei de Falências, qualquer interferência direta nas empresas em recuperação judicial precisa do aval dos credores. O entendimento da Defesa é que o Departamento de Aviação Civil (DAC) também não pode atrapalhar o negócio, pois a concessionária continua sendo a Varig.

BNDES: Empréstimo para a TAP não será transferido

Porém, o artigo 55 da lei é claro: qualquer credor poderá recusar o plano de recuperação apresentado pelos novos controladores. Não havendo acordo, a falência da empresa é decretada pelo juiz, explicou o consultor jurídico da Defesa, Reginaldo Sá.

O vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar, lembrou que o Departamento de Aviação Civil (DAC) terá que avaliar qualquer alteração de controle acionário na companhia, uma vez que a prestação de serviços aéreos é uma concessão.

O presidente do BNDES, Guido Mantega, afirmou ontem que o empréstimo concedido para a Aero-LB, uma sociedade liderada pela portuguesa TAP, não pode ser transferido para o Grupo Docas, que tem pendências com o banco:

¿ Ele (Tanure) ainda não deu qualquer passo que envolvesse o BNDES.

Segundo Mantega, os dois terços dos US$62 milhões pagos pela compra da VarigLog e da VEM financiados pelo BNDES terão que ser pagos pela TAP.

¿ Se as empresas forem vendidas para outro grupo, a TAP terá de fazer um pré-pagamento para o BNDES.

Alencar afirmou que não há dinheiro público envolvido na oferta de Tanure:

¿ Agora, há desdobramentos da operação por parte dos credores. A empresa está em recuperação judicial e o governo não pode se meter nisso. O BNDES não tem nada a ver com isso e ele (Tanure) falou que não tem pleito de recursos estatais.

Em Portugal, a TAP informou que apenas no dia 19 vai responder se cobre ou não a oferta de compra das subsidiárias VarigLog e VEM. Fontes ligadas à estatal portuguesa afirmam, no entanto, que a TAP já está fora de qualquer negociação com a Varig.

Ontem, o juiz da 1ª Vara de Recuperação e Falências de São Paulo, Alexandre Lazzarini, aceitou o plano de recuperação apresentado pelos interventores da Vasp.

COLABORARAM Cristiane Jungblut, Adauri Antunes Barbosa e Aguinaldo Novo