Título: O DIREITO DE MATAR
Autor: Luiz Garcia
Fonte: O Globo, 16/12/2005, Opinião, p. 7

O homem amarrado à maca perdeu a paciência: "Não conseguem achar o lugar?" Tinha razão: os médicos levaram 12 minutos para achar a veia. Quando a encontraram, tudo foi rápido. Logo Stanley Williams estava morto, na penitenciária de San Quentin, terça-feira passada.

Pelas leis da Califórnia, seria difícil outro fim. Há 26 anos, Williams, então com 25 anos, cometera, segundo a polícia, quatro homicídios durante dois assaltos.

Ele sempre se dissera inocente (dos assassinatos, não dos assaltos), mas as provas foram consideradas suficientes. O que interessa não é sua inocência ou culpa especificamente nos crimes pelos quais foi condenado - é a sua transformação pessoal ao longo da estada no sistema penitenciário. Williams não apenas insistiu que era inocente. Aos poucos, transformou-se em eloqüente e eficaz inimigo do crime. Escreveu uma série de livros para crianças advogando o bom caminho. E também falou aos mais velhos, defendendo a não-violência. Milhares de pessoas acreditaram nele, e seus esforços renderam frutos reais e considerável solidariedade.

Por tudo isso, muitos americanos o consideraram digno de continuar vivendo. A campanha por uma segunda chance para Williams foi incessante, teve repercussão nacional, comoveu celebridades - e de nada adiantou.

Vale a pela ouvir algumas vozes contra a execução, num debate entre cidadãos anônimos registrado logo após a execução.

Por exemplo: "A pena de morte é um erro. É uma forma de vingança patrocinada pelo Estado. Devemos basear nossa decisão na emoção e no ódio, ou usá-la para dar força a milhares de adolescentes que, por terem ouvido Stanley, escolheram outro caminho?"

Ou: "Para que serve nosso sistema penal? Acredito que sua meta essencial tenha de ser a reabilitação."

E a citação de um fato: "Os livros dele são usados em salas de aula no país inteiro e ajudam a promover a paz."

Mais um argumento: "Matar alguém não diminui a dor dos sobreviventes. Gangues de jovens matam seus inimigos com o argumento de que é necessário vingar a morte de alguém. Não deveríamos imitar esse comportamento. Mas o problema é que realmente não acreditamos na reabilitação de quem erra."

Cá de longe, lembro um fato apenas: os Estados Unidos passaram bom número de anos sem pena de morte, e o número de assassinatos não diminuiu com a volta das execuções.

Existem, claro, outros argumentos, igualmente enfáticos, e muitos deles respeitáveis, dizendo o oposto de tudo isso.

O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, não confessou qualquer dúvida nem mostrou hesitação alguma. Pode-se, em ironia cruel, imaginá-lo assinando a confirmação da execução e dizendo "hasta la vista, baby".

O que temos a ver com isso? Muito pouco. A pena de morte (falando só da oficial) é impossível no Brasil de hoje, independentemente de argumentos teóricos: ela exige um sistema penal caríssimo, capaz de abrigar, por anos e anos, os escolhidos para execução, ao longo de todos os recursos a que necessariamente teriam direito.

Um país que ainda não conseguiu sequer construir sua primeira penitenciária federal não tem dinheiro para isso.

Não faltam execuções em nossos presídios - mas são responsabilidade da violência individual de carcereiros ou da iniciativa privada de variadas facções.