Título: `Se for candidato é para ganhar¿
Autor: Heliana Frazao e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 17/12/2005, O País, p. 3

Lula admite pela primeira vez hipótese de apoiar `um companheiro¿ para disputar sua sucessão

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que, se decidir ser candidato à reeleição em 2006, será para ganhar. E admitiu pela primeira vez a possibilidade de lançar outro candidato, ¿um companheiro¿, à sua sucessão. Durante discurso na inauguração da pedra fundamental da refinaria Abreu e Lima, no porto de Suape, a 45 quilômetros de Recife, o presidente voltou a afirmar que não vai precipitar a decisão de concorrer à reeleição. Ao lado do colega venezuelano Hugo Chávez, ele ainda criticou duramente a oposição e a imprensa.

¿ Não sou candidato antes do tempo de definir se sou ou não. Não farei o jogo rasteiro dos meus adversários, não jogarei pequeno e não baixarei o nível. No tempo certo vou decidir. Se for para ser candidato, é para ganhar as eleições. Se decidir não ser candidato, irei escolher um companheiro para ganhar ¿ disse.

Dirigindo-se a Hugo Chávez, que participou do evento, Lula disse que a oposição está nas ruas gritando há alguns meses e usando tom político-eleitoral. Chávez recomendou a Lula ¿força e coragem¿ para enfrentar o cenário político e afirmou que ¿a direita está implacável¿.

¿Companheiro, amigo e irmão¿

Por diversas vezes, Chávez referiu-se a Lula como ¿companheiro, amigo e irmão¿, com quem partilha lutas e angústias, referindo-se ao momento político difícil por que passa o presidente brasileiro com as denúncias de corrupção.

¿ Estamos acostumados aos ataques da oposição. Na Venezuela também é assim, e os Estados Unidos já começaram a financiar as nossas oposições ¿ disse.

Em resposta, Lula destacou a importância da democracia no desenvolvimento de um país, e criticou aqueles que entendem a democracia como era praticada no passado, quando a população ¿tinha como direito apenas gritar que estava com fome¿:

¿ Para essas pessoas, é o limite da democracia. Elas não estavam preparadas para vê-la (a democracia) levada às suas últimas conseqüências, fazendo um torneiro mecânico presidente da República.

Mantendo o tom de campanha, o presidente disse que o país está construindo um espaço de convivência política, onde a alternância de poder é a melhor solução para consolidar o processo democrático. Lula também elogiou o favorito das eleições presidenciais na Bolívia, o líder dos plantadores de coca Evo Morales. Apostando na vitória de Morales, Lula disse que a mesma democracia que o permitiu chegar à Presidência está prestes a fazer um índio presidente na Bolívia.

Ele não fez referência à ameaça de Morales de retomar as refinarias bolivianas, que hoje estão sob controle da Petrobras. A refinaria de Suape é a primeira que a Petrobras constrói em 25 anos. A Abreu e Lima ¿ uma parceria da estatal brasileira com a venezuelana PDVSA ¿ será voltada para o mercado interno brasileiro e seu principal derivado será o óleo diesel. A expectativa da Petrobras é que, a partir de 2011, 11% de todo o diesel consumido no Brasil saiam de Pernambuco.

Lula ressaltou que depois que completou 50 anos aprendeu a ser mais tolerante e paciente, pois, percebeu não ter mais pela frente a mesma quantidade dos anos já vividos.

¿ Quero viver melhor com a minha consciência, com a minha alma e com o meu coração o tempo que ainda tenho pra viver ¿ disse, acrescentando que no seu coração não há mais espaço para mágoas, rancor ou incompreensão.

Ele voltou a lembrar o ex-presidente Juscelino Kubistchek como outra grande vítima do ¿massacre da imprensa¿, que somente agora, passados 45 anos, foi redimido.

¿ Quem tiver acesso ao que a imprensa falava dele entre 1956 e 1961 vai perceber o massacre que se fazia contra ele. Foi cassado, não conseguiu reeleger o seu sucessor e ainda foi exilado. Quarenta e cinco anos depois vi uma propaganda na Globo. Estão preparando um documentário especial sobre o mais importante presidente da República que o Brasil já teve ¿ disse.

Ele lembrou também o ex-presidente Getúlio Vargas, citando-o como um grande alvo do ódio de parcela da elite brasileira porque acabou com a escravidão dos trabalhadores, criando a legislação trabalhista:

¿ Eu agora estou mais dedicado a ler sobre a vida desses homens para compreender um pouco a história do meu país e perceber que nem todo mundo está acostumado a conviver com a democracia.

Após a cerimônia em Suape, Lula foi à sua cidade natal, Garanhuns, a 220 quilômetros de Recife, para inaugurar a escola técnica do Sesi Dona Lindu, nome de sua mãe. Em novo discurso, o presidente afirmou que comeu ¿o pão que o diabo amassou¿ para arrumar a casa que recebeu do antecessor, Fernando Henrique Cardoso. A festa ¿ que teve palanque ao ar livre ¿ não mobilizou tanta gente como da última vez que o presidente visitou a região onde nasceu, quando reuniu cinco mil pessoas na praça principal para ouvi-lo dizer que ¿eles vão ter que me engolir de novo¿. Ontem não havia mais de mil pessoas na rua, sendo que mais da metade era convidada oficial, pois usava distintivos brancos distribuídos pelo cerimonial.

O ATAQUE À IMPRENSA na página 4