Título: CALDO DE TUCANO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 19/12/2005, O PAÍS, p. 4

José Serra é candidato para uma disputa renhida com Lula. Mas se a popularidade do presidente se deteriorar muito até lá e a eleição ficar com jeito de passeio para o tucanato, o candidato é Geraldo Alckmin. E se, por outro lado, Lula recuperar nos próximos meses a condição de favorito, restando ao PSDB uma derrota anunciada? Aí o nome também é Alckmin.

E se Lula não se candidatar à reeleição, coisa muito improvável mas não impossível? Bom, aí ninguém tem idéia do que será a briga no PSDB. Com o desgaste de Lula e o crescimento de seus candidatos, o ninho está em polvorosa. O tucanato vem se dedicando a simulações e simulações, pesquisas e mais pesquisas. Só que, a esta altura do campeonato, a equação da sucessão presidencial ainda está cheia de incógnitas e variáveis. Dez meses podem representar um século em política e virar o quadro de ponta-cabeça ¿ como bem nos mostraram os últimos dez. Por isso, uma boa dose de cautela e caldo de galinha (ou de tucano) não faria mal ao PSDB. Os mais experientes sabem que disputas internas sangrentas podem ser o primeiro passo no caminho do fracasso. Salto alto, atropelamentos, dissidências, traições ¿ todo mundo sabe onde costuma dar isso. É hora de serenidade no ninho, acompanhada por uma overdose de humildade na veia. Há condições objetivas favoráveis, mas obstáculos a superar e variáveis a levar em conta até março, quando o PSDB deve bater o martelo em torno de um candidato. Até lá, é bom observar que: Serra é o candidato mais forte, mas Alckmin está livre, leve e solto ¿ As pesquisas mostram que Serra seria hoje o candidato capaz de derrotar Lula numa eleição disputada. É o único que sai com mais votos do que o presidente já no primeiro turno. Esse é o argumento básico dos serristas, e seu próximo passo será propor a realização de uma pesquisa completa em fevereiro para confirmar ou não essa situação. O problema é que Serra não pode dizer ainda abertamente que é candidato, o que tende a tolher seus movimentos, ao contrário de Alckmin, que desde segunda-feira passada é candidato declaradíssimo e está livre, leve e solto para fazer campanha no fim do segundo mandato como governador de São Paulo. A prefeitura é o ponto fraco de Serra ¿ Vai ser a maior complicação largar a prefeitura com um ano de mandato, sobretudo depois de ter prometido que não sairia e tendo como vice um pefelista polêmico. Mas os amigos de Serra estão construindo o discurso: as circunstâncias mudaram e as pesquisas que têm feito sigilosamente mostram que, em nome do Brasil, o eleitor perdoa. Só que esse vai ser o ponto fraco de Serra durante a campanha ¿ coisa que Lula e o próprio Alckmin já descobriram. Alckmin tem que superar a barreira do desconhecimento ¿ As credenciais de bom administrador e o perfil de executivo ajudam, mas Geraldo Alckmin tem que superar a imagem de gerente de Pindamonhangaba e ficar mais conhecido no resto do país. Sem campanha oficial na mídia, é um desafio. O PSDB tem que encontrar um discurso ¿ Ainda não ficou claro qual será o discurso dos tucanos e com que argumentos eles se apresentam para tentar dirigir novamente o país. A bandeira da ética e do combate à corrupção é insuficiente, é preciso algo mais. Parceria com o PFL pode radicalizar ¿ Serra tem o apoio declarado de Cesar Maia, mas Alckmin tem há muito tempo a simpatia da cúpula pefelista, que considera o prefeito meio de esquerda demais e tem maiores afinidades com o governador. Mas os dois devem prestar atenção: no Congresso, sobretudo, o PFL tem feito uma oposição mais radical, o que pode azedar o clima e levar o PT a jogar pedras pesadas no telhado tucano. E salve-se quem puder. O fator Aécio ¿ O governador de Minas não tem apenas que ser ouvido, tem que ser envolvido na escolha do candidato, ficar satisfeito e comprometido com a campanha. É bom lembrar que, do outro lado, Lula espera de braços abertos a dissidência de Aécio. O que fazer com a política econômica ¿ Serra está hoje à esquerda de Lula na economia e seus seguidores pregam mudanças no modelo juros altos-superávit-metas de inflação, o que assusta setores do empresariado. Vai ter que fazer sua cartinha aos brasileiros. Alckmin também critica a receita, mas na hora de dizer o que mudaria mostra que quase nada. Se o partido não se entender nisso, seja com quem for, vai confundir a cabeça do eleitorado.