Título: A máquina de Garotinho
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 18/12/2005, O País, p. 4

Não é apenas na escolha do candidato a presidente da República pelo PSDB que a política de São Paulo vai ter influência decisiva. Também na escolha do PMDB, entre ter um candidato próprio ou se dividir em diversas candidaturas, será fundamental a posição da seção paulista do partido.

O ex-governador Orestes Quércia, mesmo que seja generalizada a percepção de que ele não tem fôlego para se eleger governador do estado, parte de um patamar importante para as negociações políticas, aparecendo como favorito hoje.

A decisão do PSDB será tomada em março, à luz das pesquisas, mas também de outros fatores: quem tem mais condições de fazer alianças, quem tem menos vulnerabilidade em uma campanha. A primeira decisão terá que ser dos pré-candidatos: quem vai ter coragem de dar o salto no escuro, mesmo protegido por uma hipotética rede de segurança que vem das pesquisas. Quem tem mais a perder é o prefeito José Serra. Se derrotado pela segunda vez por Lula, o prefeito paulistano terá abandonado a prefeitura, ficará marcado pela decisão e sem cargo político.

Sua decisão é assombrada pela marca que deixou no PSDB a decisão do então prefeito de Belo Horizonte Pimenta da Veiga de abandonar a prefeitura para se candidatar ao governo de Minas. A derrota de Pimenta, considerado favorito na época, até hoje é lembrada. Já o governador Geraldo Alckmin, que poderia ser eleito senador, ficará fora da política pelos próximos quatro anos. Alckmin tem pesquisas que mostram que ele sairia vencedor de uma hipotética disputa com o senador Eduardo Suplicy, do PT, pela única vaga do Senado que estará em disputa no próximo ano.

O PMDB acena com apoio à candidatura Serra, de quem já foi vice, se houver acordo para o governo de São Paulo. O mesmo objetivo tem o PFL com Afif Domingos, que aparece nas pesquisas para o governo do estado com apenas 6% dos votos, a mesma média dos candidatos do PSDB. Mas não há espaço para esse tipo de acordo entre os tucanos, pois eles estão convencidos de que, com uma média de aprovação em torno de 80%, Alckmin tem força política para fazer seu sucessor.

Um acordo para o Senado, com qualquer dos dois partidos, é possível, se Alckmin, derrotado em sua pretensão, permanecer à frente do governo, como é o desejo do partido. Assim, o PFL não assumiria ao mesmo tempo o governo de São Paulo e a prefeitura da capital.

Quércia está demonstrando que tem força, e se não houver um acordo, pode apoiar Garotinho à Presidência para tentar ser candidato pelo PMDB em São Paulo com mais viabilidade. Na avaliação ousada de Garotinho, Lula está perdendo para ele votos nas camadas populares, e os candidatos do PSDB estão tirando seus votos nas classes média e superiores, um processo de corrosão que pode levá-lo a não disputar o segundo turno.

Garotinho, hoje, vislumbra um segundo turno contra o candidato do PSDB. Segundo as pesquisas, ele já está passando Lula no Norte do país e acha que está criando uma situação no PMDB que é irreversível. Seu raciocínio é pragmático: se ele rompe a barreira dos 20% de preferência no eleitorado, como pode o PMDB escolher outro candidato?

Ele fez uma pesquisa entre os 20 mil convencionais do partido e diz que tem 63% de apoio. Não teme ser ¿cristianizado¿ como já aconteceu com figuras mais importantes do PMDB, como o próprio Quércia e Ulysses Guimarães, porque não conta muito com o apoio da cúpula, mas com a base do partido. Ele quer o tempo de televisão do PMDB, pouco mais de quatro minutos, para se equiparar aos dois outros candidatos que polarizam a disputa: o PT tem pouco menos de cinco minutos, e o PSDB, caso se coligue com o PFL, terá mais ou menos o mesmo tamanho de programa de rádio e televisão. Garotinho acredita que o PMDB dá a ele os instrumentos e a capilaridade para seu discurso se espalhar pelo país.

Ele considera que os 18 candidatos a governador com chances eleitorais ¿ nove que disputam a reeleição e outros nove que concorrem com chance ¿ terão interesse no fortalecimento de sua candidatura. Por isso, é contra a verticalização, pois sem ela os candidatos regionais poderão fazer alianças políticas independentes, o que é uma marca registrada da política peemedebista: uma federação de forças políticas que se bastam regionalmente. Se houver a verticalização, é mais difícil o PMDB ter candidatura própria.

Por isso, o PMDB é a maior máquina partidária montada no país: tem o maior número de governadores, maior número de prefeitos e vereadores, maior bancada do Senado e segunda bancada na Câmara. Uma máquina que nunca trabalhou em conjunto para uma candidatura a presidente. Garotinho acha que conseguirá unir essa máquina pela base. E por isso também a cúpula partidária está se unindo contra ele.

Assim como Garotinho, com razão, diz que sua candidatura não depende da cúpula partidária, querendo apenas os instrumentos eleitorais de que o PMDB dispõe para se firmar como uma opção eleitoral, os chefes partidários do PMDB não desejam perder o controle para esse recém-chegado.

Preferem se dividir nos apoios a diversos outros candidatos e manter o controle de seu feudo eleitoral. Os caciques que estão contra a candidatura Garotinho alegam que de nada adianta ele aparecer bem nas pesquisas pois, se chegar ao segundo turno, será derrotado por qualquer dos adversários. A força do PMDB, mais do que nunca, está nesse axioma político: o partido não consegue eleger um presidente da República, mas nenhum presidente governa sem apoio do PMDB.