Título: IDÉIA FIXA
Autor:
Fonte: O Globo, 20/12/2005, Opinião, p. 6
A conjuntura política venezuelana tem sido uma idéia fixa para o presidente Lula. Em poucos dias, entre Montevidéu, à margem de um encontro do Mercosul, e Pernambuco, na solenidade de lançamento da pedra fundamental da refinaria em que a Petrobras e a estatal da Venezuela, a PDVSA, estarão associadas, o presidente fez paralelos inadequados entre a crise que enfrenta e situações peculiares do regime "bolivariano" de Hugo Chávez.
Sintomaticamente o presidente da Venezuela estava presente nas duas demonstrações de excesso de retórica. Na primeira, Lula fez uma comparação desfocada entre a oposição brasileira e a venezuelana. Nada mais equivocado, pois, enquanto a frente que se opõe a Chávez chegou a patrocinar um golpe de Estado, a maioria dos oposicionistas brasileiros afasta a possibilidade de sequer encaminhar um pedido de impeachment contra Lula.
No mais recente destempero verbal, sexta-feira passada, Lula comparou a imprensa venezuelana à brasileira. A venezuelana enfrenta pressões e perseguições do Palácio de Miraflores que certamente constrangeriam o adversário mais feroz das redações abrigado no PT e cercanias. Lula se acha perseguido pela mídia, tanto quanto Chávez o seria em seu país - pelo menos no entender de Lula. Ora, a centelha da crise que aflige Lula, PT e aliados foram as denúncias de um líder da base do governo, deputado Roberto Jefferson. No mais, a imprensa se atém a publicar os resultados das investigações em andamento no Congresso, abrindo espaço para a defesa dos acusados. A repetição dessas acusações sem base na realidade começa a se transformar num cacoete revelador da busca incessante de um bode expiatório.