Título: O AVAL DO LEGISLATIVO
Autor: EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
Fonte: O Globo, 20/12/2005, Opiniao, p. 7
Projeto de lei de minha autoria, que estabelece um mandato para negociações comerciais multilaterais, regionais ou bilaterais, foi objeto de críticas em artigo publicado nesta página do GLOBO pelo embaixador Rubens Barbosa. O projeto seria inconstitucional, pois partiria do pressuposto de que o Congresso pode definir objetivos e limites para negociações comerciais como as da OMC, da Alca, do Mercosul com a União Européia e com outros países em desenvolvimento.
Esse aspecto da questão foi objeto de consideração cuidadosa nas fases de formulação e tramitação do projeto no Senado, onde foi aprovado consensualmente. O artigo 84 da Constituição, que estabelece as atribuições do presidente da República, inclui no seu inciso VIII a de "celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional". O meu projeto de maneira alguma invade a competência do Executivo. Ele apenas define parâmetros para que o Congresso possa desempenhar com mais eficácia a sua atribuição constitucional de referendar os acordos comerciais.
Como ressaltam os pareceres dos relatores nas diferentes comissões em que o projeto já foi aprovado - deputado João Hermann Neto (PPS-SP), senador Pedro Simon (PMDB-RS), senador Geraldo Mesquita (sem partido-AC), senador Marcelo Crivella (PL-RJ) e deputado Júlio Redeker (PSDB-RS) -, a Constituição se refere à questão em dois outros artigos. O "caput" do artigo 48 diz que cabe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União, entre as quais se inclui o comércio exterior, conforme artigo 22, inciso VIII. O artigo 49, inciso I, dá competência exclusiva ao Congresso Nacional para "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".
O caráter pluripartidário do apoio ao meu projeto de lei reflete o fato de que os parlamentares não mais aceitam o papel relativamente passivo que o Congresso desempenhou no passado em matéria de acordos comerciais. O senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), por exemplo, apoiou o projeto e propôs uma emenda que reforçou o papel do Congresso. O deputado Delfim Netto (PMDB-SP), de inegável experiência em matéria de negociação internacional, recomendou o voto favorável. O projeto foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e agora está na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
No início da tramitação no Senado surgiram algumas resistências no Itamaraty e em outros ministérios, mas depois de longas discussões, que resultaram no aperfeiçoamento de diversos aspectos do projeto, compreendeu-se que a iniciativa fortalece os nossos negociadores.
O projeto é uma iniciativa inédita no Brasil. Mas a participação dos parlamentos na definição dos objetivos e limites das negociações comerciais é prática comum nos países mais desenvolvidos. Os negociadores comerciais dos Estados Unidos da América e da União Européia sempre estão cobertos e orientados por mandatos negociadores, que especificam com cuidado e, não raro com grande detalhe, os objetivos que o Executivo deve buscar e os limites que deve respeitar quando participa de negociações multilaterais, regionais ou bilaterais.
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY é senador (PT-SP).