Título: Gastos correntes comprometem investimentos
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 20/12/2005, O País, p. 8

Análise dos últimos dez anos mostra que governos aumentaram e muito as despesas com custeio da máquina

BRASÍLIA. No ano eleitoral, o discurso de austeridade poderá ficar no papel. O governo federal aumentará em 2006 os gastos correntes, concedendo um reajuste mais generoso para o salário-mínimo e para os servidores federais. Uma análise da execução orçamentária em dez anos (incluindo as projeções para 2006) mostra que os governos não conseguem atacar um problema crucial para o ajuste fiscal e o equilíbrio das contas públicas: os chamados gastos correntes.

Esses gastos, que incluem o custeio da máquina administrativa, mais que dobraram, em termos reais. Em percentuais do PIB pularam de 11,94% em 1996 para 16,7% em 2006, já considerando as despesas extras programadas para o ano da eleição.

Em 1996, esses gastos consumiam R$174,5 bilhões dos recursos do Orçamento ( valores atualizados para 2005). Em 2006, essas despesas chegarão a R$355 bilhões, se considerado o reajuste do salário-mínimo para R$350.

Investimentos ficaram aquém das necessidades

Os chamados gastos correntes e as despesas com pessoal, são os que mais pressionam o Orçamento, exigindo cortes nos investimentos, que na última década ficaram estacionados em um patamar muito aquém das necessidades do pais: 0,7% do PIB.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, observa que o governo, incapaz de controlar os gastos correntes, corta investimentos, de um lado, e custeia suas despesas com o aumento da carga tributária, o que é uma combinação danosa para o país.

- Uma empresa quando está em dificuldades racionaliza suas despesas e reduz seus custos. A opção do governo é aumentar a carga tributária e cortar os investimentos, que é o gasto mais nobre do Orçamento - afirma Velloso.

Estudo da Consultoria de Orçamento do Congresso mostra o crescimento da carga tributária, acentuado no governo Lula. Em percentual do PIB, as receitas administradas pela Receita Federal pularam de 16,34% em 2002 para 17,04% em 2006, segundo as projeções incluídas no Orçamento. Esse cálculo não inclui tributos estaduais e municipais.

- O governo optou por aumentar a receita para resolver o problema fiscal. Aumentou impostos e foi buscar receitas extraordinárias onde tinha e onde não tinha para bancar os gastos crescentes - diz Raul Velloso.

Os gastos com pessoal se mantêm estáveis em relação ao PIB desde 1996. Correspondiam a 5,2% naquele ano e em 2006 devem ficar no mesmo patamar, já considerando o reajuste dos servidores.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não abre mão de um reajuste que garanta, no mínimo, 29% para cada servidor nos quatros anos do seu mandato. O problema desses gastos é que qualquer reajuste sobre uma folha de R$100 bilhões representa impacto significativo nas despesas do Orçamento. Em termos reais (descontada a inflação), a folha de pagamento deve crescer 46% entre 1996 e 2006, já considerando o acréscimo de R$3,5 bilhões nas despesas de pessoal para garantir o reajuste de 29%.

- O ideal é que as despesas com pessoal caíssem ao longo do tempo, já que são despesas de caráter continuado, com grande impacto nos gastos totais do Orçamento. Mas nada foi feito para melhorar a eficiência desse gasto. A reforma da Previdência praticamente não teve impacto nos gastos de pessoal do governo - pondera o economista.

Já os gastos com investimentos tiveram uma evolução irregular nos últimos dez anos, conforme mostram os números da execução do Orçamento. Dobraram em termos reais em 2001, na comparação com 1996, mas voltaram a cair a partir de então, chegando em 2003 ao patamar mais baixo do período.

Receita administrativa chegará a R$365,1 bilhões

Em 2006, o governo destinou R$14,7 bilhões para essas despesas, o que indica que os investimentos continuarão com recursos inferiores a 1% do PIB. Esse valor já inclui uma parcela que não conta para o cálculo do superávit primário, o que garante a execução sem cortes no Orçamento. No entanto, o governo Lula tem demonstrado grande dificuldade para executar os investimentos programados, mesmo aqueles que não dependem da boa vontade do Tesouro.

Em 2006, a receita administrada chegará a R$361,5 bilhões, segundo as novas estimativas feitas pela Comissão Mista de Orçamento. Esse valor é R$11,5 bilhões além da estimativa original feita pela Receita Federal em agosto, mas ainda assim insuficiente para cobrir as despesas correntes que estão programadas para o ano que vem.

Preocupado com a reeleição, o governo quer agradar aos trabalhadores, com um reajuste mais generoso do salário-mínimo; aos servidores públicos e ã classe média, com o reajuste da tabela do Imposto de Renda. Além disso, precisa atender aos governadores, que não abrem mão dos recursos da Lei Kandir para o ressarcimento das perdas de ICMS com as exportações.

Para especialistas, objetivo é eleitoral

Em vez de dar aumento real ao mínimo, governo deveria investir em infra-estrutura, dizem

SÃO PAULO. As conseqüências do pacote de benefícios em gestação no governo divide a opinião de economistas e consultores. Mas dois aspectos são quase unânimes: o pacote tem fortes indícios eleitorais e se, em vez de aumentar salários, compensar estados e reajustar a tabela de Imposto de Renda o governo investisse em infra-estrutura, o impacto na economia seria mais positivo.

- O governo aumentou muito as despesas e ainda consegue cumprir as metas de superávit primário. Mas isso estreita a possibilidade de gastos em investimento, que estão em declínio desde 1980, e reduz espaço para a redução da carga tributária. O mais correto seria aumentar o superávit com corte de gastos em custeio - disse o economista Guilherme Loureiro, analista da Consultoria Tendências.

Para ele, o efeito negativo vem a longo prazo. Segundo Loureiro, se o governo não tivesse dado reajustes ao salário-mínimo além da inflação desde 1994, a dívida pública, que hoje é de 51,1% do PIB, poderia estar em 44,2%. Para alcançar esse índice, o país terá que fazer um superávit primário de 5% do PIB até 2010:

- Se no ano passado o governo tivesse dado R$287 em vez de R$300, este ano não estaríamos falando em R$350.

A opinião geral é que o pacotão de benefícios só não prejudicará o equilíbrio fiscal graças aos seguidos recordes de arrecadação.

- A arrecadação tributária tem vindo sempre com surpresas. Agora mesmo fomos surpreendidos com um recorde histórico no mês de novembro. É lógico que eu gostaria que este dinheiro fosse todo para investimento em infra-estrutura. Mas a área financeira certamente gostaria que a receita fosse usada para pagar dívidas e a área social prefere investir na ampliação dos programas - avaliou Julio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e professor-adjunto da UFRJ.

Segundo ele, embora decisões como o aumento do salário-mínimo acima da inflação, a compensação aos estados pelas perdas da Lei Kandir e a correção da tabela do Imposto de Renda não sejam novidades neste governo, agora podem ter influência eleitoral.

- É natural que em um ano de eleição todo mundo queira fazer o bem. O que existe é uma disputa pela receita extra do aumento de arrecadação. E o governo está guardando quase tudo para gastar num ano eleitoral - disse.

Para Luiz Gonzaga Beluzzo, da Unicamp, o pacote não terá grande efeito macroeconômico:

- Ainda não temos detalhes do pacote como, por exemplo, se esses gastos estão financiados. Mas tivemos um excesso de arrecadação. A relação dívida/PIB não muda. A questão fiscal para eles (equipe econômica) é esta. O superávit também está crescendo.

Para ele, o pacote deve ajudar no aquecimento da economia no ano que vem, mas o efeito será modesto, e não terá impacto sobre os investimentos do governo, que já são quase inexpressivos (2% do PIB). Beluzzo também concorda que a proximidade da eleição presidencial pode ter efeito sobre a condução da economia.

Legenda da foto: ALMEIDA: "É natural que em ano de eleição se queira fazer o bem"