Título: TJ VAI DISCUTIR AÇÕES CONTRA FALTA DE REMÉDIOS
Autor: Carla Rocha e Luiz Ernesto Magalhaes
Fonte: O Globo, 20/12/2005, Rio, p. 18

Uma das idéias é um acordo judicial entre estado e município para reduzir número de processos de pacientes

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Sérgio Cavalieri Filho, vai discutir o problema da crescente demanda de ações judiciais de pacientes que não conseguem medicamentos durante uma reunião, na quinta-feira, com o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho. Conforme O GLOBO revelou ontem, o número de ações na Defensoria Pública mais do que dobrou do ano passado para este, passando de 728 para 1.552.

Uma das propostas de solução é a assinatura de um acordo judicial entre estado e município, definindo a lista de remédios que cada rede tem obrigação de fornecer.

A idéia, entretanto, não tem unanimidade. Titular do Núcleo de Fazenda Pública da Defensoria, a defensora Fernanda Garcia Nunes, diz que há um receio de que a medida possa inviabilizar, em caso de não-cumprimento do acordo, que o medicamento seja fornecido por qualquer ente público, estadual, municipal ou federal:

- A saúde é um direito universal. Uma medida judicial, mesmo com a finalidade de reduzir o número de processos, pode inviabilizar que o município seja processado caso o estado não cumpra sua parte no acordo ou vice-versa.

Comissão de Saúde da Alerj fará reunião

O presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), Paulo Pinheiro (PPS), convocou uma reunião com representantes da Defensoria Pública, dos ministérios públicos estadual e federal e das secretarias de saúde do estado e do município para discutir a situação. Segundo o deputado, não há falta de recursos mas falhas de planejamento:

- É inacreditável que faltem remédios nos hospitais mas eles estejam disponíveis nas farmácias populares a R$1. A prefeitura gasta dinheiro para entregar medicamentos em casa enquanto pacientes não conseguem ser atendidos em postos.

O vereador Carlos Eduardo (PPD) afirmou que os pacientes desassistidos sobrecarregam os hospitais, elevando os gastos da rede pública. Ele disse que as reclamações podem ser feitas ao Disque-saúde (2220-1718).

- Não fornecer remédios acaba se revelando um desperdício de dinheiro - afirmou.

Sem Fator 8, hemofílicos sofrem com hemorragias

Designer, que preside associação de doentes, denuncia Hemo-Rio

Após quinze dias com a gengiva sangrando, Maurício Oliveira, de 28 anos, revelou pela primeira vez no trabalho que era hemofílico. Ele é uma das vítimas da descontinuidade de fornecimento de Fator 8 (coagulante) no Instituto de Hematologia (Hemo-Rio) que já se arrasta há quase um ano. Designer, Maurício teve que falar sobre a doença no emprego, onde está há pouco mais de três meses, porque seus colegas já estavam estranhando o sangramento contínuo que o levava várias vezes ao banheiro para lavar a boca.

- O último mês passamos praticamente sem o medicamento. Chegaram a fornecer Fator 8-Y que é usado na Doença de von Willebrand (que provoca hemorragia), mas que pode causar uma reação alérgica grave nos hemofílicos - diz Maurício, que tem problema articular no cotovelo esquerdo que exige o uso de Fator 8.

Pai de um universitário hemofílico de 21 anos, o auditor Luís Gualter, de 59 anos, está lutando para normalizar o fornecimento. O caso já foi levado ao Ministério Público Federal.

- A falta de um tratamento profilático causa osteonecrose, que é a necrose do osso da articulação atingida pela hemorragia. O meu filho teve uma perna atingida. Isso é desumano.

Procurado ontem, o Hemo-Rio informou que o Fator 8 está sendo fornecido, mas de forma racionada.

Remédio custa R$1,2 mil

Morador de Petrópolis, Antônio Carlos Gomes de Souza recorreu a duas transfusões de sangue no mês passado. Doente renal crônico, Antônio usa cinco medicamentos cujo fornecimento pela Secretaria estadual de Saúde está irregular há quase um ano. Um deles, o Hemas, custa aproximadamente R$1,2 mil e só voltou a ser entregue apenas há alguns dias.

- Não tenho dinheiro para comprar a medicação. Recorri à Justiça e mesmo com liminar tenho dificuldades para conseguir remédios. Ou recebia sangue ou morria, pois estava debilitado e cheguei a desmaiar na rua - disse Antônio, que preside a Associação de Doentes Renais de Petrópolis.

No Rio, o segurança Eduardo Carlos de Almeida Rosa, de 28 anos, morador de Rocha Miranda, reclama da falta de insulina e outros remédios nos postos e hospitais da prefeitura na Zona Norte. Segundo ele, o problema já dura quase um ano.

Legenda da foto: LUIZ RODRIGUES (à esquerda) e Maurício Oliveira: luta pelo Fator 8