Título: Morales contra o narcotráfico
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 20/12/2005, O Mundo, p. 28

Presidente eleito da Bolívia reitera que retomará o controle dos recursos naturais

Em seu primeiro dia como presidente eleito da Bolívia, o líder do Movimento ao Socialismo (MAS) e dos plantadores de folha de coca, Evo Morales, reiterou sua decisão de atuar com toda a força do Estado para exercer o controle dos recursos naturais, com destaque para o gás, e iniciar uma luta efetiva contra o narcotráfico, área de maior interesse dos Estados Unidos no país. Com pose de presidente, ele se mostrou satisfeito com o resultado obtido nas urnas: 51% dos eleitores votaram nele, segundo projeções.

Trata-se da melhor votação desde a eleição de Víctor Paz Estenssoro em 1985. Nos últimos 20 anos, os presidentes bolivianos chegaram ao poder com entre 22% e 35% dos votos no primeiro turno. No país, o segundo turno é realizado no Congresso e os presidentes anteriores foram eleitos graças a pactos entre os partidos tradicionais, hoje mergulhados numa profunda crise de legitimidade.

- Nem a cocaína nem o narcotráfico são partes das cultura boliviana, menos ainda da cultura quéchuaie aimara - disse Morales, referindo-se às principais comunidades indígenas.

Ele confirmou sua intenção de recuperar o controle dos recursos naturais do país, iniciativa que exigirá a renegociação de mais de 70 contratos assinados com empresas que operam na Bolívia, entre elas a Petrobras, cujo contrato vence em 2019. Cauteloso, o presidente eleito esclareceu que não expropriará empresas.

- Nosso país precisa da tecnologia das empresas (multinacionais) para realizar explorações - argumentou.

A vitória do candidato do MAS marcou o início de uma nova etapa política no país. Os partidos tradicionais, que nas últimas décadas se alternaram no poder, hoje são párias do sistema político boliviano. A eleição de domingo demonstrou que o MAS e a aliança de centro-direita Poder Democrático e Social (Podemos), do ex-presidente Jorge Quiroga, concentram mais de 80% do eleitorado do país.

- Estamos retornando a um sistema bipartidário - disse o analista político Carlos Cordero.

MAS elege apenas dois governadores

Na eleição legislativa, sempre segundo projeções, a aliança Podemos obteve um bom resultado: 13 senadores, de um total de 27, e 48 deputados, de um total de 130. Já o MAS, ficou com 12 senadores e 53 deputados.

- O partido do novo presidente não terá maioria no Congresso, mas com 51% dos votos obtidos na eleição presidencial terá muita margem de manobra. Esse percentual histórico é garantia de governabilidade - assegurou o analista Raúl Prada, da Universidade Maior de San Andrés. - Nos últimos seis anos, tivemos a guerra da água (movimentos sociais de Cochabamba impediram a privatização do serviço de distribuição), a guerra do gás (protestos em todo o país em defesa da recuperação dos recursos energéticos) e uma lista de demandas que inclui a realização da reforma agrária e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Tudo isso deverá ser resolvido pelo MAS.

O movimento liderado por Morales conseguiu eleger apenas dois governadores, em Potosí e Oruro, terra natal de Morales. A aliança Podemos obteve três vitórias, em La Paz, Beni e Chuquisaca. O relacionamento entre o governo e as diferentes regiões do país também será fundamental para garantir a governabilidade. Os departamentos de Santa Cruz, o mais rico do país, Beni, Pando e Tarija prometem redobrar sua campanha por maior autonomia, demanda que deverá ser tratada na Assembléia Constituinte que Morales promete convocar ano que vem.

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