Título: O papel de Ciro
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 21/12/2005, O País, p. 2

O presidente Lula voltou a dizer ontem que ainda não decidiu se concorrerá à reeleição e que um de seus ministros pode ser o candidato do governo. O ministro Jaques Wagner viu em tudo o que Lula disse na reunião ministerial de anteontem um sinal de que ele está pronto para a disputa. O que ele não explicou, limitando-se a um sorriso maroto, foi a razão de o ministro Ciro Gomes tê-lo acompanhado na entrevista em que relataram a reunião.

"O candidato sairá desta sala", havia dito Lula durante o encontro com o ministros, quando falou da hipótese de não concorrer. Wagner, entretanto, não parece contar com ela. Para ele, todas as recomendações do presidente - para que os ministros evitem divergências em público e se apropriem dos dados positivos do governo para divulgá-los em todas as situações possíveis, por exemplo - sugerem que ele está pronto para a disputa. Acredita o ministro, inclusive, que em fevereiro Lula fará o anúncio oficial, antecipando a substituição dos ministros que teriam de sair em abril para disputar cargos eletivos. A lista é cada vez menor. Mares Guia, do Turismo, após apresentar ontem um balanço do setor, que sob seu comando alcançou em três anos a duplicação das divisas anuais obtidas com o ingresso de turistas estrangeiros, número que também cresceu em 48% no período, confirmou que ficará com Lula até o final do atual mandato. Patrus Ananias também ficará, apesar das pressões do PT mineiro para que seja candidato.

Na viagem de ontem a Macapá, Lula continuou falando em eleição, repetindo que 2006 será o ano de colher o que foi plantado. Se não for ele o candidato, repetiu, pode ser um de seus ministros.

Aqui é que entra Ciro Gomes. Na entrevista com Jaques Wagner, anteontem, ele foi mais agressivo que qualquer petista, afirmando que o governo Lula ganha, em saldo de realizações e na comparação dos números, de qualquer um dos governos recentes, inclusive do de oito anos de Fernando Henrique. Ciro tem batido nos adversários e enfrentado o combate político com a energia que Lula gostaria de ver o PT utilizando. É o reserva de Lula para uma eventual candidatura a presidente ou a vaga de vice, que vai ficando cada vez mais distante de José Alencar. Goste ou não o PT, se Lula desistir da reeleição ao avaliar suas chances, em fevereiro ou mais adiante (oficialmente tem até junho para decidir), seu candidato é Ciro, hoje no PSB. Mas mesmo sendo um aliado histórico de Lula, o partido vem ameaçando apoiá-lo apenas informalmente, não fechando a coligação oficial, caso seja mantida a verticalização, regra que exige a reprodução estadual das alianças partidárias para a disputa presidencial. Ficar amarrado ao PT em todos os estados é péssimo negócio para um partido que terá de cumprir a cláusula de barreira em 2006. Também por isso, e pelos planos que tem para Ciro, Lula pode hoje pressionar a executiva do PT a rever sua posição pró-verticalização.

Ciro também não deixará o Ministério. Mas, para ser candidato a vice, ou mesmo na hipótese mais remota, a presidente, terá que sair em abril.

Lula e os empresários

A classe média, segundo as pesquisas, desiludiu-se com o governo Lula mas o empresariado ainda põe fichas em sua continuidade. Não apenas pela política econômica (apesar da ladainha contra os juros) mas também pelos canais de acesso e interlocução que lhe foram abertos. Helena Chagas fez ontem uma coluna esclarecedora com o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, sobre as inclinações eleitorais do empresariado.

O ministro Jaques Wagner, que acumula a coordenação política com a secretaria-executiva do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), criado por Lula e composto por representantes do capital, do trabalho e da sociedade civil, patrocinou ontem o depoimento de alguns conselheiros sobre a experiência neste órgão de aconselhamento do presidente da República. No CDES, puderam apresentaram demandas e articular a aprovação de algumas reformas e medidas importantes, como a votação da Lei de Falências.

Participaram do café da manhã com o ministro Wagner e jornalistas um executivo do setor financeiro, um industrial, um empresário do agronegócio e um representante das microempresas. O sindicalista (Jorge Nazareno, da Força Sindical) não conseguiu chegar a Brasília. O primeiro, Gabriel Ferreira (presidente da CNF - Confederação Nacional das Instituições Financeiras, membro do conselho de administração do Unibanco do Instituto Moreira Salles), destacou como contribuição do Conselho o crédito consignado, proposta sua que ganhou logo o apoio do hoje ministro Luiz Marinho, então presidente da CUT. O industrial era Rodrigo Costa da Rocha Loures, co-fundador da Nutrimental e presidente da Federação da Indústria do Paraná; pelo agronegócio, Maurílio Biagi Filho, das usinas Moema e MB de açúcar e álcool e também da Companhia Energética Santa Elisa. Ambos lembraram que das discussões ali ocorridas surgiu a MP do Bem. Joseph Couri, presidente do Simpi (Sindicato das Micro e Pequenas Empresas de São Paulo), destacou a nova lei para o setor, já enviada ao Congresso, que também tem o CDES em seu DNA.

Todos defendem a ampliação do Conselho Monetário Nacional, um assunto que vai para a campanha. O tucano Geraldo Alckmin já se declarou a favor. Mas louvaram sobretudo a porta aberta: se Lula não for reeleito, pedirão ao sucessor que preserve o CDES.