Título: Jeitinho bilionário no Congresso
Autor: Isabel Braga
Fonte: O Globo, 21/12/2005, O País, p. 3

Manobra permite que 24 parlamentares votem pelos outros 570 e liberem R$9,8 bi do Orçamento

O governo federal, com o aval dos presidentes da Câmara e do Senado e de líderes partidários, conseguiu burlar a falta de quorum e, com um artifício regimental, garantiu ontem a votação de 19 créditos orçamentários de R$9,8 bilhões no total, aprovados por um colegiado de apenas 24 parlamentares. Como o Congresso está convocado extraordinariamente desde o dia 16, a um custo extra de R$100 milhões, os créditos deveriam ser votados em sessão plenária, que exigiria a presença de pelo menos 298 parlamentares.

A votação de ontem foi possível porque os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), permitiram o uso de um instrumento típico dos períodos de recesso: a Comissão Representativa, formada por 17 deputados e sete senadores, que pode votar projetos urgentes quando o plenário não pode fazê-lo. Embora estejam pagando a todos os parlamentares pela convocação, os dirigentes do Congresso instalaram a comissão.

Aldo e Renan, prevendo a necessidade de o governo aprovar os créditos ainda em 2005, não incluíram na pauta da convocação extraordinária a votação de projetos orçamentários. Com isso, conseguiram garantir que os créditos que liberam recursos do Orçamento deste ano, já aprovados pela Comissão de Orçamento, fossem votados pela Comissão Representativa. Caso esses itens constassem da pauta da convocação extraordinária, não poderiam ser apreciados pela comissão.

O expediente provocou uma situação incomum: o Congresso está recebendo para trabalhar extraordinariamente, mas apenas 24 parlamentares precisam estar em Brasília para votar créditos do Orçamento, substituindo o plenário.

- Foi uma esperteza política usar o regimento para garantir a aprovação de créditos sem se preocupar com quórum. Só tomei conhecimento disso ontem. Nós, da oposição, aceitamos para não sermos acusados de atrapalhar o país e dar ao governo a oportunidade de gastar agora o que não gastou durante o ano - justificou o vice-líder do PFL, Pauderney Avelino (AM), da Comissão de Orçamento.

Secretário: Manobra é constitucional

Segundo o secretário-geral da Mesa, Mozart Viana, a manobra é constitucional e está respaldada por uma resolução de 1990 do regimento comum das duas Casas do Congresso. Mozart explicou que apenas as propostas contidas na pauta da convocação extraordinária podem ser apreciadas pelo Congresso convocado. A Comissão Representativa responde pelas demais matérias.

O Congresso está convocado extraordinariamente até 14 de fevereiro, mas as sessões plenárias estão dispensadas até 15 de janeiro.

Hoje, está prevista nova reunião da Comissão Representativa para votar outros 18 créditos pendentes. Assim que a votação desses créditos for concluída, os presidentes da Câmara e do Senado farão aditamento à pauta para o Orçamento de 2006 ser votado durante a convocação extraordinária.

Os 19 créditos aprovados ontem pela Comissão Representativa do Congresso liberam R$9,8 bilhões para órgãos públicos. Um dos mais importantes foi o que abriu crédito de R$7 bilhões para o pagamento a aposentados da Previdência. O líder do PFL, senador Agripino Maia (RN), pediu mais tempo para analisar os 18 créditos que estão na pauta de hoje e avisou que, se o governo discriminar emendas de parlamentares da oposição, prejudicando estados, o partido poderá obstruir a votação.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), apesar de não ter impedido a sessão, criticou o uso de um artifício para permitir as votações:

- Não foi um drible do Ronaldinho Gaúcho, mas do Cafuringa.

Legenda da foto: LIMPEZA POR FORA: funcionários lavam o espelho d'água do Congresso. Lá dentro, no plenário, quase ninguém trabalha