Título: LULA, CIRO E 2006
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 21/12/2005, O País, p. 4

Nenhum dos 33 ministros reunidos no Planalto acreditou na conversa de Lula de que pode não se candidatar à reeleição. Na verdade, ficou claro que o que ele quer é botar ordem na tropa, fazendo até uma espécie de ameaça: ou vocês se unem na defesa do governo ou eu desisto de 2006 e aí... Aí o quê? Vamos de Ciro Gomes. Essa parte do recado ficou só nas entrelinhas, mas foi bem entendida.

Nada do que ocorre dentro de um palácio de governo é mero acaso. Tudo tem seu simbolismo. Não foi de graça que Lula disse na reunião ministerial que, se não disputar, o candidato "será alguém daqui, desta sala". Não terá sido também coincidência a escolha de Ciro para estar ao lado do ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, na função de porta-voz da reunião de segunda-feira.

Trata-se, isso sim, de uma jogada deliberada do presidente para botar o ministro da Integração na roda da sucessão - ainda que não seja exatamente para valer. Afinal, Ciro tem sido um dos mais aguerridos defensores do governo nesses tempos de crise, às vezes até usando de uma violência verbal de dar inveja a muito petista. Foi candidato e tem o recall de 2002. Está agora num partido da base que é primo-irmão do PT, o PSB.

Entre interlocutores de ambos, comenta-se que Lula já teria dito ao ministro que ele seria seu candidato preferido caso não viesse a concorrer à reeleição. O próprio Ciro tem afirmado aos mais próximos que fica no governo e não é candidato a nada em 2006. Só a presidente da República, se Lula não disputar.

Lula e Ciro sabem que essa é uma hipótese remotíssima. Mas interessa ao presidente alimentá-la neste momento. Afinal, com Dirceu degolado e Palocci ferido, Lula ficou sem anteparos. Ciro não é petista, mas desempenha o papel direitinho. Faz parte do novo "núcleo duro" do governo e é bom de briga, sobretudo quando do outro lado estão ex-companheiros tucanos: sabe quais são seus pontos fracos mas continua tendo pontes com setores do PSDB para uma futura recomposição pós-eleitoral.

Ao inflar o balão Ciro, Lula também dá um recado ao PT, que já começou a botar as manguinhas de fora. O presidente não gostou, por exemplo, da desenvoltura do diretório nacional ao aprovar documento pregando a redução do superávit. E acha que, se as coisas forem nesse ritmo, terá muitos problemas à frente, sobretudo na hora de discutir campanha e programa de governo.

Mostrando aos petistas, inclusive aos que estão no governo, que examina a possibilidade de apoiar um não-petista em sua sucessão, Lula bota na mesa suas condições para concorrer: quer o partido unido defendendo seu governo e autonomia para fazer sua nova carta aos brasileiros - ou seja lá o instrumento que for para expressar seus compromissos num hipotético segundo mandato.

Ciro Gomes, que não é bobo, sabe muito bem que se trata de um jogo. No momento, porém, não tem nada a perder. Pode emplacar como vice na chapa de Lula, se for mantida a verticalização das alianças e só restarem ao presidente o PCdoB e o PSB como parceiros oficiais. Pode se fortalecer como opção para 2010, quem sabe com o apoio do próprio Lula. No mínimo, pode ganhar um ministério mais interessante no ano que vem, na reforma de fevereiro ou março, quando os que são candidatos terão que sair da Esplanada.

Para o PT, não ter Lula como puxador de votos em 2006 e, ainda por cima, apoiando um nome de outro partido, seria o pior dos mundos. No partido, ninguém quer nem ouvir falar dessa hipótese, e não porque alguém ainda tenha a ilusão de que a reeleição do presidente seria um passeio.

O PT quer Lula no páreo, para perder ou ganhar, porque sabe que, para um presidente com direito à reeleição, não concorrer é jogar a toalha da pior maneira possível. Nos Estados Unidos, há até nome para qualificar um presidente nessa condição humilhante: "lame duck", pato manco.

No caso específico de Lula e do PT, não concorrer depois da pancadaria e do desgaste do valerioduto equivaleria, para muitos, a decretar a morte do partido, de sua história e de um projeto de poder que sofreu um sério abalo mas pode continuar a existir.

Mal ou bem, ele tem 30% do eleitorado e pode ajudar a eleger muita gente em todo o país. Na campanha, terá espaço para defender o governo e o PT - ainda que, ao final, venha a ser derrotado.

É por isso que, entre os amigos mais íntimos do presidente, ninguém tem dúvida: Lula está condenado a concorrer à reeleição.