Título: PRESIDENTE COCALEIRO DEFENDE CONSUMO LEGAL DO PRODUTO
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 21/12/2005, O Mundo, p. 31

Uso da folha de coca é tradição ancestral, apesar dos esforços de erradicação dos EUA

LA PAZ. A primeira coisa que a maioria dos estrangeiros que chega a La Paz consome é uma xícara de chá de coca. Trata-se de uma boa maneira de enfrentar os quatro mil metros de altitude e evitar tonteiras, dor de cabeça e falta de ar. Não é suficiente, mas ajuda. O consumo de coca é uma tradição ancestral no país. O presidente eleito, Evo Morales, foi plantador de coca na região do Chapare antes de iniciar sua carreira de sindicalista e político. Sua família era uma das tantas que sobreviviam graças às plantações de folha de coca, produto que, segundo ele, pariu o Movimento ao Socialismo (MAS).

- A folha de coca não pode continuar cumprindo prisão domiciliar - disse Morales ontem, reiterando sua defesa dos plantadores e do uso legal do produto no mundo.

Ele questionou "a despenalização da Coca-Cola e a penalização da coca".

- Coca não é narcotráfico, coca não é cocaína - insistiu.

Nos anos 80, a Bolívia iniciou um processo de erradicação da folha de coca, medida considerada fundamental pelos Estados Unidos, que responsabilizam o país pelo auge do narcotráfico na região. A iniciativa provocou imediata reação dos plantadores de coca, liderados por Morales. Apesar da resistência dos movimentos sociais, nos últimos anos foram erradicados cerca de 40 mil hectares de plantações. Ainda assim, estima-se que atualmente haja sete mil hectares de plantações só no Chapare e que o total supere amplamente o limite estabelecido por lei, de 12 mil hectares.

- Temos de estudar a dimensão da zona de cultivo, mas sempre em função de nosso mercado - afirmou Morales, defendendo a industrialização da folha de coca boliviana, "como fazem empresas espanholas no Peru".

- Não se trata de acabar com a coca, e sim de incentivar seu consumo legal, criando um mercado interno cada vez maior - disse um assessor do presidente eleito.

Desde o início do processo de erradicação, cerca de 80% das plantações foram substituídas por outros cultivos, como por exemplo de batatas. Mas as plantações de coca continuam aumentando. Em 2004, cresceram 17%, atingindo 27.700 hectares. O governo de Carlos Mesa (2003-2005) propôs um censo nacional para avaliar o consumo no país, mas o projeto não saiu do papel.

Basta caminhar pelas ruas de La Paz para compreender que a folha de coca faz parte da vida dos bolivianos. Em cada esquina, ambulantes oferecem pacotes da folha para mascar, chá de coca e outros produtos. Existe até o Museu da Coca, para quem se interessa pela história do polêmico cultivo. (J.F.)

A primeira gafe de Morales?

Bush é terrorista, teria dito

LA PAZ. Mal foi eleito, o candidato esquerdista Evo Morales pode já ser protagonista do primeiro mal-estar com o governo dos Estados Unidos. Numa entrevista à rede de TV qatariana al-Jazeera, Morales teria chamado o presidente George W. Bush de terrorista. Um porta-voz de Morales, no entanto, alegou que a entrevista deve ter sido mal traduzida do espanhol para o árabe, idioma em que as palavras do presidente eleito foram ao ar.

Na versão da al-Jazeera, Morales teria criticado acidamente Bush:

- O único terrorista neste mundo que eu conheço é Bush. Sua intervenção militar, como no Iraque, é que é terrorismo de Estado.

O governo dos EUA não se pronunciou sobre o episódio e parabenizou Morales por sua vitória nas eleições presidenciais de domingo passado, mas deixou claro que o bom relacionamento entre ambos governos dependerá da atitude que o novo presidente adotará, sobretudo, em relação ao narcotráfico. Em entrevista à rede de TV CNN, a secretária de Estado, Condolezza Rice, condicionou o bom relacionamento entre os dois governos "à conduta que será adotada pelo novo presidente". (Colaborou: Janaína Figueiredo)

Legenda da foto: UM MINEIRO boliviano mastiga coca: remédio para enfrentar a altitude elevada