Título: No passo certo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 22/12/2005, O GLOBO, p. 2

Não haverá pizza, conchavo ou socorro recíproco. Esse foi um claro e bom sinal do relatório parcial dos trabalhos da CPI dos Correios apresentado ontem pelo relator Osmar Serraglio e seu adjunto Eduardo Paes. O foco agora está mais claro e a CPI mostra que avançou no que mais importa: a identificação da origem dos recursos do valerioduto e de seus beneficiários.

Essa parte do trabalho é fundamental para a aplicação de penas justas aos envolvidos, como deseja a sociedade brasileira. Outra parte importante da assepsia, infelizmente, não foi cumprida pelo conjunto do Congresso: a aprovação de mudanças legais e processuais que impeçam tanto os desvios no financiamento de campanhas e partidos como o ressurgimento de corruptos e corruptores, confiantes na impunidade.

Um bom sinal de que não está em curso um conchavo para aliviar as culpas partidárias é o fato de o valerioduto estar sendo investigado desde suas origens, em 1997, na campanha tucana de Minas, até sua hipertrofia num grande esquema de alimentação dos partidos que foram a base do governo Lula, a partir de 2003. Outros esquemas políticos possivelmente tiveram conexão com ele. Nesse longo período, teria movimentado cerca de R$2,6 bilhões. É muito dinheiro.

Vai ficando também mais clara a mistura de recursos públicos (Visanet e Banco do Brasil, principalmente, na última fase) e privados (Telemig, Usiminas, Amazônia Celular e outros) na alimentação do esquema. Uma estimativa que o relator não apresentou ontem foi a do total de pedidos de indiciamento. A projeção, entretanto, é altíssima. O resto será com a Justiça.

Quanto às reformas do sistema político-eleitoral, Eduardo Paes diz que elas são importantes e devem ser feitas. Lamentavelmente, vamos para uma eleição geral com as mesmas regras que produziram a cultura do caixa dois, as doações irregulares e as campanhas desregradas. É importante, diz ele, não perdermos de vista que, sob o biombo das irregularidades político-eleitorais, tidas como crimes menores, rolou a corrupção clássica, com a apropriação privada de recursos públicos e a obtenção de vantagens por diversos envolvidos.

- É importante acabar com o biombo para aperfeiçoarmos a democracia mas também para inibirmos a corrupção endêmica - diz o relator-adjunto.

Agora, acertado o passo - depois dos maus momentos em que perdeu o foco e deslumbrou-se com as luzes da mídia - a CPI faz uma pausa. Mas encerra o ano sugerindo que todos comam o peru de Natal sem temer a pizza.