Título: Relator: dinheiro financiou troca-troca de partidos
Autor: Adriana Vasconcelos
Fonte: O Globo, 22/12/2005, O País, p. 5

Serraglio diz ter constatado também que valerioduto funcionou durante votação de projetos de interesse do governo

BRASÍLIA. Ao estabelecer pelo menos quatro padrões de repasses de recursos das empresas de Marcos Valério para parlamentares da base governista, o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), disse acreditar que conseguiu conceituar e comprovar a existência do mensalão denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson. Em alguns períodos os repasses foram feitos semanalmente ou mesmo em intervalos de 48 a 72 horas. Foi constatada ainda a concentração de saques em períodos próximos de votações de interesse do governo e do troca-troca de partidos.

- Hoje (ontem) ficou claro que o mensalão de fato existiu, fosse um "semanão" ou "diarião" ou como quiserem chamar - salientou o relator adjunto da CPI, deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ).

- Pobre coitado do presidente Lula, que não terá mais coragem de negar o que esse trabalho atesta de forma inquestionável. Está aqui, presidente, esse documento caso vossa excelência ainda precise de algum dado para seu convencimento - emendou o sub-relator de fundos de pensão, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).

Relator rebateu críticas públicas à CPI

Ao concluir a leitura de seu relatório, Serraglio rebateu as contestações públicas sofridas ao longo de seis meses de investigações de que a CPI não teria avançado nas investigações e não conseguiria comprovar as denúncias de Jefferson. Ele aproveitou ainda para recomendar ao PT que promova uma faxina interna no partido.

- Sempre admirei os petistas, seus ideais. O único erro que o PT está cometendo é o de não depurar. Os que não souberam se conduzir têm de ser afastados - sugeriu Serraglio.

Em seguida, foi aplaudido pelo plenário quando ressaltou o esforço da CPI:

- Temos orgulho da CPI dos Correios e queremos ser um instrumento de limpeza do país e do Parlamento.

Os petistas foram os únicos a contestar a prestação de contas de Serraglio. O deputado Jorge Bittar (PT-RJ), por exemplo, lamentou que o relator não tenha ressaltado que o esquema montado por Marcos Valério de Souza já funcionava desde 1998 em Minas Gerais. Bittar também contestou a versão de que os adiamentos de pagamentos da Visanet em 2003 tenham alimentado o valerioduto, assim como a existência do mensalão.

- Não acho que a existência do mensalão tenha ficado caracterizada na forma como denunciou o ex-deputado Roberto Jefferson. Os recursos foram para um caixa dois, e é oportuno dizer, para não nos sentirmos horrorizados, que é uma prática muito usada, embora os responsáveis devam ser punidos. Erramos, mas o governo passado também - protestou Bittar.

"Alguns continuamdefendendo o indefensável"

Criticado também por não ter citado na prestação de contas os repasses do valerioduto para o ex-líder de seu partido José Borba, que renunciou ao mandato para não ser cassado, Serraglio reagiu:

- É inacreditável que algumas pessoas continuem defendendo o indefensável.

Entre os padrões de repasse de recursos do valerioduto para os partidos aliados, destacam-se as transferências semanais entre fevereiro e agosto de 2003 para o PL por intermédio da Guaranhuns. Seguindo periodicidade certa, apenas os valores dos repasses foram alterados, variando de R$500 mil até R$90 mil. Já as transferências ao PP, realizadas pela corretora Bônus-Banval entre abril e junho de 3004, obedeceram a intervalos menores entre 48 e 72 horas.

Também foi constatada a concentração, sobretudo de saques em dinheiro, nos períodos que coincidiram com as votações de maior interesse do governo, como as reformas, e as trocas de partidos no PTB, em maio de 2003, e no PP, entre janeiro e fevereiro de 2004.

As principais conclusões

Vencendo pressão contrária do Planalto, a CPI dos Correios foi criada no dia 25 de maio e passou a funcionar no dia 9 de junho. Criada para investigar corrupção na estatal a partir do flagrante contra o ex-chefe do setor de Admininitração Maurício Marinho, pego embolsando propina, acabou dedicando-se à apuração do chamado esquema do mensalão. A CPI investigou empréstimos de Marcos Valério a petistas e aliados do governo, além de irregularidades em fundos de pensão, bancos, corretoras e na Visanet. No relatório final, listou algumas conclusões:

1. Identificação de quatro padrões de repasses do valerioduto ao PT e partidos aliados: pagamentos semanais da Guaranhuns para o PL; concentração de pagamentos em períodos que coincidiram, em 2003, com o ingresso de parlamentares no PTB e, em 2004, no PP; a partir de setembro de 2003, os saques nas contas da SMP&B concentraram-se em datas próximas às votações de interesse do governo; os pagamentos destinados ao PP pela Bônus Banval, de abril e a junho de 2004, obedeceram a intervalos de 48 e 72 horas.

2. Comprovação de que pelo menos R$19,7 milhões pagos pela Visanet à DNA alimentaram o valerioduto.

3. Dos R$73,8 milhões adiantados pela Visanet entre 2003 e 2004, R$23,2 milhões não tiveram os serviços comprovados pela DNA.

4. A DNA incorporou também recursos do setor privado no valerioduto.

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