Título: PESADELO AMBIENTAL NA CHINA
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Fonte: O Globo, 22/12/2005, O Mundo, p. 39
Substância cancerígena é despejada em rio no sul do país, no segundo acidente em semanas
Uma fundição estatal de zinco derramou um produto altamente tóxico no Rio Bei, no sul da China, forçando uma cidade de meio milhão de habitantes a suspender o seu abastecimento de água por oito horas e ameaçando ainda outras cidades, conforme a poluição é levada rio abaixo, disse ontem a imprensa estatal chinesa. O desastre, o segundo em cinco semanas, pode prejudicar milhões de pessoas, e apesar de ter ocorrido no fim de semana, somente na terça-feira foi informado à população.
A poluição foi causada pelo despejo excessivo de cádmio por uma fundição na cidade de Shaoguan, na província industrial de Guangdong. Os níveis de cádmio nas águas do rio estão dez vezes acima dos considerados seguros.
Pouca atenção à segurança
A China ainda se recuperava da explosão numa indústria petroquímica na província de Jilin, em 13 de novembro, que causou o despejo de cem toneladas de benzeno e nitrobenzeno no Rio Songhua. O acidente obrigou à suspensão do abastecimento de água na cidade de Harbin, de quatro milhões de habitantes, por vários dias e ainda hoje ameaça cidades russas. Autoridades levaram aproximadamente dez dias para informar a população sobre o acidente e foram duramente criticadas por isso.
Os dois desastres evidenciam a pouca atenção que as indústrias chinesas dão à proteção ambiental e aos padrões de segurança, num momento em que a economia do país cresce aceleradamente, destacou a imprensa internacional. Segundo o jornal "The Washington Post", Pequim estaria encontrando dificuldades em fazer autoridades locais garantirem o cumprimento das normas de segurança.
Abastecimento de água cortado
Uma moradora contactada por telefone pelo "Washington Post" contou que o abastecimento de água foi suspenso por todo o dia na terça-feira em Shaoguan, cidade a 270 quilômetros de Hong Kong. Na TV, autoridades da província de Guangdong alertavam a população de cidades rio abaixo a não beber água das torneiras. O Bei passa ainda por Guangzhou (Cantão) até desaguar no delta do Rio Zhujiang (Pérola), uma área densamente povoada e desenvolvida. No delta estão as ex-colônias européias de Hong Kong e Macau.
A poluição chegou a Yingde - uma cidade com mais de cem mil habitantes, 96 quilômetros ao sul de Shaoguan - na terça-feira à noite. Enquanto as autoridades constroem um duto de ligação com um reservatório não afetado pela poluição, caminhões-pipa abastecem as áreas ameaçadas. Além disso, os reservatórios rio acima foram abertos para diluir o cádmio na água.
No caminho da poluição está ainda uma cidade com meio milhão de habitantes, Qingyuan, que já adotou medidas de segurança.
A TV estatal informou na noite de terça-feira que as autoridades ordenaram à fundição, a terceira maior do país, que suspendesse a sua produção devido à suspeita de poluição.
- O escritório de meio ambiente inicialmente confirmou que a situação foi causada pelo despejo acima do normal de água contendo cádmio durante a manutenção de equipamentos da fundição de Shaoguan - informou a TV estatal.
O cádmio é usado freqüentemente em baterias, e em contato com o ser humano pode causar danos a fígado, rins e ossos. Compostos contendo cádmio podem ainda causar câncer.
No desastre anterior, quando o benzeno foi despejado no Rio Songhua (afluente do Rio Amur), as torneiras permaneceram fechadas por aproximadamente uma semana em Harbin, que tem cerca de quatro milhões de moradores. A China está construindo uma represa para deter a mancha de poluição antes que ela atinja a cidade russa de Khabarovsk, banhada pelo Amur, informou o ministro de Relações exteriores chinês, Qin Gang.
A mancha já atingiu o Rio Amur e as autoridades de Khabarovsk, cidade de 580 mil habitantes no extremo leste russo, suspenderam ontem o abastecimento de água corrente a cerca de dez mil pessoas em três bairros.
- Fomos obrigados a interromper parcialmente o abastecimento de água em alguns distritos, mas espero que seja uma medida temporária - disse Vladimir Popov, a cargo do combate à poluição.
Legenda da foto: MORADORES DE KHABAROVSK, na Rússia, recolhem água de um rio congelado