Título: Todos em campo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/12/2005, O País, p. 2

O PT foi dizer a Lula que deseja sua recandidatura. Na verdade, precisa dela, para o que der e vier. Lula avisou que decidirá quando achar conveniente. No PSDB, o governador Geraldo Alckmin diz acreditar num entendimento com José Serra para a escolha do candidato tucano. Na verdade, os dois trabalham intensamente buscando apoios dentro do partido. Garotinho avisa que só será candidato a presidente. Exerce legítima pressão para que o PMDB adote sua candidatura.

Há um visível contraste entre a indefinição das candidaturas e o clima de campanha que, apesar disso, já está no ar, conturbando a vida parlamentar, envenenando o discurso dos principais atores políticos e confundido o eleitor, que responde a pesquisas sobre uma grande variedade de hipóteses. E para tornar a situação ainda mais atípica, as próprias regras eleitorais ainda não são definitivas. Em janeiro pode ser aprovada uma mudança de alta repercussão sobre o jogo das alianças e os projetos eleitorais: o fim da verticalização das coligações. Aldo Rebelo, presidente da Câmara, pretende levar a matéria à votação no dia 21 de janeiro do novo ano.

Lula e o PT deram início, com a reunião de anteontem, ao ensaio da recandidatura. O partido pede que ele concorra e ele diz que ainda não decidiu. Se disser agora que é candidato, está frito. Todo espirro que der será apontado como ato eleitoral com uso da máquina. Ontem ao inaugurar a ampliação da pista do aeroporto de Brasília, entrou com uns 20 peões da obra no "Sucatinha", sobrevoaram Brasília e aterrissaram na pista nova. O velho sindicalista pediu à construtora que não os dispense, pois em breve o presidente da Infraero, Carlos Wilson, que o acompanhava, dará início à construção de uma nova estação de embarque no aeroporto. Se já fosse um candidato declarado, a reação era óbvia: presidente faz campanha com avião presidencial. A disputa no cargo, que assistiremos pela segunda vez, criou muitos constrangimentos para Fernando Henrique em 2002. É tênue, e às vezes invisível, a linha que separa os atos do candidato das ações do presidente.

Mas Lula tem outras razões para se dizer indeciso também aos dirigentes do PT. Em 1998, e depois em 2002, Lula fez exigências ao partido para concorrer. Talvez se arrependa, porque em 2002 exigiu Duda Mendonça como marqueteiro, Alencar como vice e alianças. O apoio do PL e os trabalhos do marqueteiro tiveram um alto custo financeiro, deixaram o PT endividado e de alguma forma contribuíram para o surgimento do delúbio-valerioduto. Agora também ele tem exigências. Quer um PT mais agressivo no combate político com a oposição, na refutação das denúncias que não considera provadas e na defesa dos feitos do governo. E gostaria que o partido desistisse de apoiar a verticalização para facilitar suas alianças, pelo menos com o PCdoB e o PSB. Ele deve ter abordado estas questões na reunião. Até março, abrirá o jogo.

Já Serra e Alckmin seguem trocando elogios em público mas a luta é renhida entre eles no interior do PSDB. Quando disse ontem que espera um entendimento, Alckmin pensava na desistência do prefeito a seu favor, considerando a maior "naturalidade" de sua candidatura: ele está em final de mandato, tem um governo com avaliação positiva e também apresenta potencial eleitoral para enfrentar Lula. Os números de Serra são melhores mas seus seguidores dizem que, uma vez candidato, ele também pode crescer muito. Em março, fazem o jogo.

Já Garotinho, ao dizer que será candidato a presidente e a nenhum outro cargo, pensa nas prévias de março do PMDB. As pesquisas mostram que ele (assim como Heloísa Helena) não se beneficiou tanto quanto Serra e Alckmin do desgaste de Lula e do PT. Mas sua candidatura traz preocupações inclusive para os tucanos. Acreditam eles que se Garotinho crescer nas classe populares, onde os programas sociais ainda preservam a força de Lula, poderá fomentar um sentimento antipetista que não os favorecerá. Garotinho ainda não é candidato mas não deve ser subestimado.

E assim vamos entrar em 2006 nesta situação atípica, de sucessão deflagrada mas sem qualquer definição. Como uma partida que se inicia sem regras claras e sem jogadores escalados. Todos em campo, às caneladas.