Título: Uma história cheia de buracos
Autor: Adriana Vasconcelos/Regina Alvarez/Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 23/12/2005, O País, p. 3

Lula culpa estados por rodovias precárias e diz que retomará vias, mas só investiu 38% do previsto

Numa crítica a governadores e com discurso de campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, que o governo vai retomar os 14 mil quilômetros de rodovias federais entregues a dez estados no fim de 2002 para que fossem recuperados. Segundo Lula, mesmo com o dinheiro liberado, dez governadores não recuperaram as estradas e usaram os recursos para outras finalidades, como o pagamento do 13º salário do funcionalismo. Na verdade, de acordo com o Ministério dos Transportes, uma medida provisória de 2002 transferiu a 15 estados (e a não a dez) a responsabilidade pela manutenção de 14 mil quilômetros de estradas federais e repassou R$1,792 bilhão para os governos estaduais naquele ano.

- Depois de eleito, em novembro fui a Brasília pedir ao presidente da República que liberasse dinheiro para que o governador de Minas Gerais e outros governadores assumissem a responsabilidade por 14 mil quilômetros de estradas federais em dez estados. Acontece que o dinheiro foi utilizado para uma outra coisa e as estradas continuaram com buracos - criticou Lula.

Lula também não usou o dinheiro

Embora tenha criticado os governos estaduais, Lula também não usou todo o dinheiro disponível no Orçamento para as obras nas rodovias que continuam sob a responsabilidade da União. Segundo dados do sistema de controle de execução do Orçamento do Senado, foram gastos até 18 de dezembro R$888,4 milhões, ou 38,5% dos R$2,3 bilhões orçados para obras em estradas. O valor empenhado pelo governo (compromisso de gastar) é de 1,6 bilhão (ou 73% do total), mas o valor realmente executado não passa de R$969,5 milhões (42% do total).

- Aqui para Minas foram transferidos R$780 milhões para que o estado assumisse a responsabilidade por algumas estradas federais, entre elas a BR-135. Acontece que o dinheiro foi utilizado para uma outra coisa, importante também, porque eu não posso dizer que não é importante. O dinheiro foi utilizado para pagar salário, 13º e salário atrasado. Isso, ainda na época do governador Itamar - disse Lula, que completou:

- Quando o governador Aécio começou, havia R$280 milhões ainda para obras. Talvez tenha sido utilizado em outras obras. Nem estou dizendo que eram menos importantes.

Aécio estava representado na inauguração de obras em Montes Claros pelo vice-governador Clésio Andrade. Lula continuou:

- Ora, os governadores pegaram o dinheiro para fazer a estrada, foi feita a MP dando ao governo estadual a responsabilidade de cuidar das estradas, quase nenhum governador no Brasil fez nem um quilômetro de estrada. E agora o que está acontecendo? Os buracos dessas estradas estão recaindo nas costas do governo federal, que passou o dinheiro aos governos estaduais, que não fizeram as estradas. Não estou dizendo isso para tirar nossa responsabilidade, porque não vamos permitir que a estrada se acabe por conta dessa briga.

O presidente disse que a população não pode ser prejudicada e que vai se reunir com os governadores para propor um acordo, preparado pelos ministros Alfredo Nascimento (Transportes) e Dilma Rousseff (Casa Civil). Os estados que receberam recursos da União são: Amazonas, Pernambuco, Roraima, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Paraíba, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Piauí, Rondônia e Tocantins. Lula quer uma parte de volta:

- Possivelmente agora no começo de janeiro estaremos fazendo uma reunião com todos os governadores que receberam dinheiro para que eles paguem uma parte. Não queremos que devolvam todo o dinheiro, mas que paguem 30% e que o governo arque com 70% para que a gente possa refazer as estradas federais.

Lula disse que o governo tentou recuperar as estradas este ano mas o Tribunal de Contas foi contra:

- Como tínhamos passado o dinheiro para os estados, o Tribunal de Contas entendeu que era de responsabilidade dos estados fazer as obras. Agora que o Tribunal percebeu que o estado também não está fazendo, ele está aceitando que a União possa fazer essas obras.

Obras em terras aliadas

Cerca de duas mil pessoas ouviram o discurso de Lula, que também anunciou obras e benefícios para Montes Claros. O ex-presidente Fernando Henrique foi vaiado por petistas ao ser mencionado por Lula como o autor da MP. "Em 2006, Lula outra vez", gritaram os petistas.

Em Montes Claros, administrada pelo petista Athos Avelino, será construída uma das três primeiras usinas de biodiesel da Petrobras, investimento de R$50 milhões que vai envolver uma cadeia de produção de 15 mil pessoas. Lula inaugurou uma unidade da Farmácia Popular, no Mercado Municipal de Montes Claros.

COLABORARAM: Adriana Vasconcelos e Regina Alvarez, de Brasília

'Lula tem de dizer onde está a verba da Cide'

BELO HORIZONTE. O ex-governador Itamar Franco (PMDB) reagiu às críticas do presidente Lula, que o acusou de não ter usado recursos destinados à recuperação de estradas para pagar o 13º salário dos servidores de Minas Gerais. Para Itamar, Lula tenta escamotear o que não consegue responder ao país: onde está o dinheiro da Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico)?:

- Ele tem que responder onde está o dinheiro da Cide, que é carimbado. Ele vem com um raciocínio difuso, que não corresponde à realidade.

Segundo Itamar, o ex-presidente Fernando Henrique assinou a MP 82/2002 transferindo os 14 mil quilômetros de rodovias para os estados sem especificar a destinação dos recursos repassados. Itamar confirmou que para Minas Gerais foram repassados R$780 milhões e disse que, deste total, R$500 milhões foram usados para quitar o 13º salário dos servidores. O restante, disse, foi repassado ao governador Aécio Neves(PSDB) quando ele assumiu o governo do estado no começo de 2003.

Entenda a Cide

A Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) foi criada para ser uma fonte de recursos para a manutenção das estradas brasileiras e projetos de meio ambiente. Apesar disso, grande parte do dinheiro arrecadado não é aplicada nas rodovias e é usada para ajudar o governo a fazer superávit. De acordo com o ministro do Tribunal de Contas da União Marcos Vilaça, houve desvio de finalidade dos recursos da Cide. Entre 2002 e 2004, 41% dos recursos, que somaram R$9 bilhões, não foram usados. No último dia 16 de novembro, o TCU determinou , depois de votação em plenário, que o governo deixe de usar os recursos arrecadados com a cobrança da Cide nos próximos projetos de lei orçamentária caso o dinheiro não seja aplicado diretamente em programas de transporte e de meio ambiente.

www.oglobo.com.br/pais