Título: REELEIÇÃO VAI CONTINUAR
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 23/12/2005, O País, p. 4

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, fulminou ontem a proposta do PSDB de votar no ano que vem emenda extinguindo a reeleição a partir de 2010. Deixou claro o que muitos no Planalto pensam mas não dizem: ainda que, em tese, Lula seja contrário ao instituto e não vá ser atingido pela nova mudança, concordar com ela neste momento seria sinal de fragilidade política.

Afinal, se a reeleição, criada de encomenda para beneficiar Fernando Henrique, for extinta agora só para resolver mais um problema político dos tucanos, vai ficar difícil explicar que o Lula candidato à reeleição em 2006 não terá jogado a toalha.

Concordar em disputar a reeleição na condição de último beneficiário de uma regra que o sistema político terá acabado de extinguir será uma espécie de harakiri político. Vai dizer ao eleitor que é contra a reeleição só para os outros?

É até compreensível que Lula e os mais próximos tenham ficado cheios de dedos quando a proposta surgiu. É fato que o presidente sempre defendeu um mandato maior e condenou a reeleição. Encurralado no próprio discurso, não se colocou frontalmente contra a idéia dos tucanos.

O problema, porém, é a oportunidade. Não é novidade para ninguém que, na forma e no momento em que foi colocada, a proposta de votar a toque de caixa o fim da reeleição visa única e exclusivamente a acomodar os pré-candidatos que se bicam no ninho do PSDB. Uma vez aprovada, ficaria sinalizado a Geraldo Alckmin e, sobretudo, a Aécio Neves, que eles teriam sua vez na sucessão de José Serra em 2010 caso ele venha a ser eleito com seu apoio em 2006.

Seria, sem dúvida, uma ajuda decisiva para resolver a disputa interna tucana - embora seja o caso de se indagar se é preciso esse trabalhão todo de reunir 308 votos na Câmara, 54 no Senado e votar a matéria em dois turnos. Serra não poderia simplesmente fazer com seus companheiros o compromisso de, eleito em 2006, não disputar a reeleição e passar a vez em 2010? (Esse é o problema da política nos dias de hoje: ninguém acredita mais em ninguém).

Claro está, portanto, que o fim da reeleição seria, a esta altura, mais um lance da sucessão presidencial, e não uma mudança institucional legítima, ocorrida no curso de ampla discussão.

Em boa hora, portanto, Aldo Rebelo disse, com todas as letras, que esse assunto não será discutido pela Casa no ano que vem. Pode até ser em 2007, passada a eleição, com o apoio do presidente eleito e no bojo de uma reforma política.

Faria serviço completo o presidente da Câmara se tomasse a mesma decisão em relação à emenda que derruba a verticalização obrigatória das alianças eleitorais nos estados, proposta que ainda insiste em votar em janeiro.

É mais uma tentativa do mundo político de moldar leis, regras e instituições para caberem na forma da conjuntura. É claro que o fim da verticalização resolve o problema eleitoral da maioria dos partidos, inclusive dos aliados do presidente da República. A dez meses das eleições, porém, não é mais hora de mudar nada.

Atribui-se em boa parte o caos de nosso sistema político às regras eleitorais e partidárias. O sistema de voto proporcional, a ausência de fidelidade partidária, o descontrole do financiamento das campanhas, as distorções na representação, tudo isso contribui, de fato, para um distanciamento cada vez maior entre representante e representado, tornando o conceito de democracia uma espécie de abstração para o cidadão.

Tão pernicioso quanto um conjunto de leis e normas imperfeitas, porém, é o hábito de se mudar as regras do jogo a cada campeonato.

Estará devidamente testado o instituto da reeleição? É bom lembrar que foi implantado em 1998 e até agora só foi usado por um presidente da República. Ainda não atingiu também uma segunda geração de governadores e prefeitos. Já será possível se dizer então que a reeleição não deu certo e acabar com ela?

Da mesma forma, a verticalização das alianças só valeu nas eleições de 2002. E cá estão agora o Congresso e - pasmem - o mesmo Judiciário que a implantou a querer suspender a regra. E a cláusula de desempenho para sobrevivência dos partidos? Há sempre alguém ali na esquina, com seu interesse de momento, pronto para fulminá-la.

Contra esse tipo de cultura, a do casuísmo, não há reforma política que dê jeito. Ainda vai chegar o dia em que vamos concluir que a verdadeira reforma é não deixar ninguém mudar mais nada.