Título: ALERTA GERAL
Autor:
Fonte: O Globo, 23/12/2005, Opinião, p. 6

Descobertas da CPI desmentem defesa padrão do PT

Relatório comprova o erro da absolvição de deputado

Petistas, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva à frente, adotam a conhecida tática de político apanhado em delito: negar sempre, mesmo diante da mais contundente prova, do mais demolidor depoimento. Tem sido até enfadonha a cantilena da fantasiosa falta de provas do mensalão, sempre acompanhada da tentativa de desqualificar o crime de uso de caixa dois na política, já muito apropriadamente tachado de "coisa de bandido" pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

A tática já havia ultrapassado a fronteira entre o terreno da esperteza e o campo do cinismo há muito tempo. Desde o início dos trabalhos da CPI dos Correios, com a revelação das constantes e sugestivas visitas de políticos ou de assessores e familiares - caso do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha - à agência do Banco Rural em Brasília, elo do valerioduto.

A comprovação da festança com dinheiro ilegal, crime indiscutível, ganhou o reforço da confissão pública do marqueteiro do PT, Duda Mendonça, de que recebera num paraíso fiscal, em dinheiro também sujo, pelos serviços prestados à campanha de vários candidatos do partido, inclusive Lula.

É possível que petistas continuem repetindo o bordão. Pois o presidente não passou a negar aquilo pelo qual pedira desculpas e se declarara traído? Porém, depois de mais um relatório preliminar da CPI dos Correios, divulgado na terça-feira, essa tática de dissimulação autista talvez já não satisfaça o mais ingênuo e crédulo dos militantes petistas, descendente direto da finada Velhinha de Taubaté.

O que o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio, revelou reforça com traços mais fortes e nítidos os contornos do grande esquema de bombeamento de recursos públicos e privados, de forma ilegal, para o propinoduto destinado a atrair políticos para a base parlamentar do governo e anabolizar com altas dosagens de dinheiro vivo decisões importantes no Congresso.

Se havia alguma dúvida de que o aparelhamento petista do Banco do Brasil (leia-se: Henrique Pizzolato, diretor de marketing do banco, depois afastado) foi peça-chave na malha de financiamento espúrio do esquema, agora não existe mais.

Soterra-se, espera-se que de vez, outra versão inverossímil, a dos financiamentos levantados pelo publicitário Marcos Valério, sócio do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, no propinoduto, como fonte dos recursos desse grande golpe contra a moralidade pública. Estava mesmo certo o vice-presidente José Alencar, com sua experiência de empresário, ao não levar a sério esse álibi tosco - ou rudimentar.

Os levantamentos da CPI - ainda a serem detalhados - confirmam que o artifício do adiantamento de recursos do Banco do Brasil para as agências de publicidade de Marcos Valério, por meio da subsidiária Visanet, era uma gazua manejada por Pizzolato - com autorização de Gushiken, defende-se ele - para fazer escoar dinheiro público, e de acionistas do banco, para o propinoduto.

A farsa dos empréstimos já havia sido demolida. A ausência de registros da operação nos livros contábeis das agências de Marcos Valério - só feitos posteriormente - e o descasamento entre a obtenção dos créditos junto ao BMG e Banco Rural, segundo informações de Valério, e a liberação do dinheiro na outra ponta do propinoduto, em Brasília, já tinham desmoralizado essa versão de conveniência do publicitário e traficante de interesses mineiro e o PT.

Agora, com o maior detalhamento das transferências feitas pelo aparelho do PT incrustado no Banco do Brasil para o propinoduto, sob o disfarce de adiantamentos às agências de publicidade, a história dos empréstimos fica mais clara. Eles não existiram como operação bancária usual. Serviram apenas para lavar o produto do assalto praticado no BB.

Sabia-se de uma primeira operação de R$35 milhões, pagos pela Visanet/BB à agência DNA, dos quais R$10 milhões fizeram uma escala no BMG antes de se transformarem num "crédito" de R$9,9 milhões, remetidos por Valério ao PT. O novo relatório da CPI esquadrinhou um negócio semelhante. Ao todo, calcula por enquanto o relator da CPI, do Banco do Brasil saíram no mínimo R$19,7 milhões para o valerioduto.

Já não fazia mais sentido a ladainha petista da inexistência do mensalão. Afinal, a periodicidade é o que menos importa no fluxo do propinoduto. Sabe-se agora que até transferências semanais existiram.

Fica confirmado o crasso erro da absolvição do deputado mineiro Romeu Queiroz, intermediário de pagamentos ilegais ao PTB. O relatório serve também de alerta para a Câmara levar a sério os demais processos de cassação. Não é admissível que o mapa da corrupção político-eleitoral em fase de montagem na CPI dos Correios passe pelo Congresso sem produzir efeitos proporcionais à dimensão do escândalo que ele revela.