Título: O Brasil perdeu o rumo
Autor: PAULO HADDAD
Fonte: O Globo, 23/12/2005, Opinião, p. 7

Não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde ir

A economia brasileira chega ao final de 2005 com alguns resultados favoráveis. O PIB deve crescer em torno de 3%, a taxa de inflação está convergindo para a meta de 5%, as exportações de bens e serviços se aproximam de 120 bilhões de dólares ao ano, a balança comercial caminha para um novo recorde anual de 40 bilhões de dólares. Entretanto, ainda se observa um mal-estar econômico quase generalizado na sociedade brasileira.

Há muitas razões para tudo isto. Não há segurança entre os brasileiros de que estes resultados sejam sustentáveis. Como somos guiados por expectativas, o que se espera do futuro pesa mais no presente do que o próprio presente revela. Assim, a questão básica é saber qual o grau de sustentabilidade da volta do crescimento no país.

Sabe-se que as economias capitalistas ocidentais têm duas características fundamentais. De um lado, sofrem flutuações cíclicas persistentes, numa seqüência quase interminável de elevações e quedas nas taxas de crescimento dos níveis de produção de curto prazo. E estas flutuações ao longo do ciclo econômico são tão mais intensas quanto maior for o grau de incertezas prevalecentes nas economias e quanto maior o grau de fragilidade de seus fundamentos.

Por outro lado, estes ciclos ocorrem no contexto de uma tendência de crescimento econômico no longo prazo, o qual é quase sempre lento mas recorrente. O crescimento econômico é, de fato, a característica mais marcante do capitalismo observada em séries históricas do PIB de diversos países.

Assim, este jogo de influências recíprocas, de ciclos econômicos instáveis por natureza e de uma tendência marcante de crescimento nas economias capitalistas, dificulta ao observador definir do que se trata quando uma economia, como a brasileira, retoma taxas positivas de expansão em 2004, após um período recessivo e de ajustes fiscais e financeiros para controlar a ameaça de um vigoroso repique inflacionário na virada de 2002 para 2003. Apesar destas dificuldades, é possível fazer alguns registros sobre as taxas de crescimento da produção que recomeçam a ocorrer atualmente no Brasil.

Não se trata ainda de sinais positivos de que está se iniciando um ciclo de expansão duradoura de nossa economia. Um ciclo de expansão se caracteriza, em geral, por um período relativamente longo (em torno de uma década) de crescimento ininterrupto, com elevadas taxas de expansão global e setorial da economia. É precedido de um conjunto de reformas econômicas e institucionais que viabilizam, por meio de elevadas taxas de investimento, a eliminação de pontos de estrangulamento que constituem óbices à mobilização das potencialidades de desenvolvimento econômico e socioambiental.

No Brasil, no período que se estende a partir da II Grande Guerra, tivemos apenas dois ciclos de expansão: o ciclo de 1955 a 1961 dos anos JK e o longo ciclo do "milagre econômico", de 1967 a 1979. Os demais períodos de crescimento econômico se caracterizaram por sua volatilidade, disritmia e instabilidade, no estilo típico do stop and go, como vem ocorrendo nas duas últimas décadas, e, até mesmo, no período pós-Plano Real.

Na atual situação do país, há ainda muitas dificuldades a serem vencidas antes de se configurar o terceiro ciclo de expansão do pós-guerra. Precisamos dispor de maior flexibilidade e eficácia na gestão dos gastos públicos; de um efetivo sistema tributário pró-crescimento e pró-integração competitiva; de um equilíbrio atuarial consistente das contas previdenciárias; de maior controle sobre os níveis de ineficiência e de corrupção administrativa etc. Ademais, não há ciclo de expansão sem a persistência de um elevado grau de confiabilidade e de credibilidade dos gestores das políticas governamentais junto à opinião pública e sem um sólido clima de esperança no progresso econômico e social do Brasil.

Neste sentido, tudo indica que, do ponto de vista macroeconômico, o ano de 2006 poderá ser um ano das mesmices: uma taxa modesta de crescimento em torno de 3%, uma taxa de inflação baixa beneficiada pelo menor impacto dos preços administrados, pouca determinação política para desembaralhar o quadro político-institucional do país e, dependendo de ajustes na política cambial e dos ares que soprarão das economias do Norte e do Sudeste Asiático, a persistência nos bons resultados nas contas externas.

O que se lamenta é o fato de que, enquanto outros países emergentes conseguem internalizar e adensar os impactos favoráveis de um extraordinário ciclo de crescimento da economia mundial, continuamos adiando um terceiro ciclo de expansão do pós-guerra, imersos em processos intermináveis de reformas econômicas inacabadas, de corrupções administrativas resilientes e criativas, e de estruturas jurisdicionais geradoras de incertezas. Como diz Sêneca, não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde ir.

PAULO HADDAD é professor do Ibmec e foi ministro da Fazenda.