Título: NÃO TAPA NEM DEIXA TAPAR
Autor: Selma Schmidt/Paulo Roberto Araújo/Aloísio Balbi
Fonte: O Globo, 23/12/2005, Rio, p. 12

Governo federal proíbe operação do estado para remendar buracos da BR-101 Norte

O governo federal, que há pelo menos sete anos não cuida da conservação da BR-101 Norte, entre Niterói e Campos, também não permite que tapem as crateras da rodovia. Por ordem do Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre (Dnit), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) suspendeu ontem uma operação tapa-buraco na BR-101 iniciada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), do estado. Por determinação da governadora Rosinha Garotinho, a Polícia Militar esteve no lugar, mas não houve confronto. Operários começaram o trabalho e, segundo o DER, conseguiram tapar buracos em 11,3 quilômetros de pista. O presidente do órgão, Henrique Ribeiro, garantiu que o serviço será retomado hoje. Também hoje o estado ingressará com uma ação civil pública contra o Dnit.

- Na hora em que precisamos da Polícia Rodoviária Federal para impedir o contrabando de armas e o tráfico de drogas nas estradas federais que cortam o Rio, dizem sempre que não têm efetivo. Mas, para impedir a recuperação da estrada, apareceu logo um batalhão de policiais - disse Rosinha. - Cansei de esperar por uma atitude do governo federal em relação à estrada. Agora que tomei a decisão de fazer o que era obrigação do presidente Lula, eles não querem deixar, por motivos políticos. Isso demonstra o tamanho do espírito público do presidente da República.

Técnico do DER é ameaçado de prisão

Apesar da presença da PM, ontem em Rio Bonito a operação do DER se limitou a 300 metros de pista, no trecho em que fica a sede da PRF na região. Em Itaboraí, o DER tapou buracos em dois quilômetros da rodovia, interrompendo o serviço pouco depois das 14h, quando patrulheiros rodoviários ameaçaram prender um técnico do DER e apreender caminhões e carteiras dos motoristas. Segundo o estado, também houve obras em Campos e Casimiro de Abreu.

Em Campos, onde a BR-101 tem seu trecho mais crítico, com maior incidência de acidentes com mortes, foram feitos remendos no asfaltos na localidade de Serrinha. Os trabalhos começaram no inicio da tarde de ontem. Ao contrário do que houve em Rio Bonito e Itaboraí, a PRF não interrompeu a operação. Mas, no posto da Polícia Rodoviária em Campos, os patrulheiros apreenderam um caminhão do DER que transportava asfalto. Segundo os patrulheiros, o veículo ficou retido porque estava com documentação em situação irregular.

- O usuário não quer saber se a rodovia é federal, estadual ou municipal. O que quer é que a estrada seja bem conservada. O que se vê é uma quantidade enorme de carros parados no acostamento por causa de pneus furados. Ontem (anteontem), presenciei um acidente sério provocado por um buraco na altura de Rio Dourado - disse o empresário e subsecretário de Indústria e Comércio de Cabo Frio, Edson Leonardes.

Só ontem Dnit anunciou obras

Com a BR-101 se reproduz na área de transportes o que ocorreu no setor de saúde no caso dos mosquitos. Ao longo de anos, os governos federal, estadual e municipal discutiram sobre a quem cabia a responsabilidade de combater as diversas espécies de mosquito, enquanto a população sofria com epidemias de dengue.

A guerra política em torno da BR-101 não se limitou ao confronto entre os governos federal (PT) e estadual (PMDB). A prefeitura de Itaboraí (PT), que segunda-feira havia iniciado serviços de tapa-buraco no trecho em que a BR-101 passa pelo município, ontem recebeu ordem da Polícia Rodoviária Federal para parar o trabalho. O que desagradou ao secretário de Obras, Paulo Marques:

- Na segunda, a Polícia Rodoviária nos deu apoio. Hoje (ontem) nos manda parar. Mandamos um ofício para o Dnit. Queremos saber o motivo.

O coordenador regional do Dnit, Rodrigo Costa, só foi localizado às 17h. Foi quando anunciou que a União prometeu liberar R$44 milhões para a BR-101 Norte, por medida provisória. O dinheiro, segundo ele, será usado não só para fresagem e recapeamento, como para serviços de tapa-buraco. Ele garantiu que a operação emergencial para melhorar as condições das pistas começaria ainda ontem.

- Essa operação se estenderá por todo o feriadão. Só hoje e amanhã (ontem e hoje) usaremos 360 toneladas de asfalto entre Niterói e o Espírito Santo - assegurou Rodrigo.

Ele alegou que o Dnit não permitiu que o estado realizasse obras na BR-101 por se tratar de rodovia federal:

- Agradecemos a boa vontade da governadora, mas não há necessidade de o DER ajudar - ironizou.

O inspetor da PRF José Augusto Joaquim, responsável pelo trecho entre Manilha e Rio Bonito, confirmou que a Polícia Rodoviária impediu o trabalho do DER por ordem do Dnit e que a PM não tinha competência para atuar na estrada:

- A BR-101 é federal. Constitucionalmente, obras e policiamento só podem ser feitos por órgãos federais. O que aconteceu hoje (ontem) foi uma questão politica na qual não vamos nos envolver.

Foi num trecho em que a PRF impediu que o governo do estado tapasse buracos, em Rio Bonito, que o jornaleiro Evandro Andrade teve um pneu do carro furado ontem de manhã. Com a mulher Dulcinéia e a cunhada Luzenir, ele viajava para Arraial do Cabo para passar as festas de fim de ano.

- Quando a gente consegue uma folguinha acontece isso. Tudo porque não cuidam da estrada - lamentou Dulcinéia.

A BR-101 amanheceu ontem com faixas de protesto contra o abandono da rodovia, na altura de Rio Bonito. Com os dizeres "Lula, a BR-101 é o reflexo de seu governo", as faixas foram colocadas por moradores e políticos como forma de chamar a atenção das autoridades.

Independentemente das medidas anunciadas pelo Dnit, a assessoria da governadora informou que a ação civil pública contra o órgão visa a obrigá-lo a recuperar a rodovia num prazo de 30 a 60 dias, sob pena de multa diária de R$1 milhão. Na mesma ação, que será movida numa vara federal, Rosinha pede autorização para o estado fazer obras na rodovia.

Também ontem a Assembléia Legislativa aprovou um projeto de lei do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), que permite ao governo gastar dinheiro do orçamento de 2006 para fazer reformas na BR-101. O projeto cria uma rubrica no orçamento para que o governo possa investir na estrada.

Já a Justiça de Itaperuna, no Noroeste do estado, determinou que o Dnit realizasse obras de emergência para tapar buracos da rodovia BR-356, que liga a cidade ao município de Campos e que também dá acesso a Minas Gerais. O Dnit iniciou as obras e a gerência do órgão no estado informou que até o fim da próxima semana os pontos críticos da estrada terão melhorias.

COLABORARAM: Aloísio Balbi e Paulo Roberto Araújo

Mau estado de conservação da estrada virou motivo de ações judiciais

Não é a primeira vez que o mau estado da BR-101 vai parar na Justiça. A juíza Isabel Maria de Figueiredo Souto, da 1ª Vara Federal de Itaboraí, concedeu liminar, na semana passada, determinando que o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) inicie em 30 dias as obras de recuperação emergencial do trecho da BR-101 entre a Ponte Rio-Niterói e a RJ-126 e apresente o cronograma. A decisão da juíza foi com base na denúncia do Ministério Público federal.

Construído na década de 70, o trecho Norte da BR-101 foi ligado à Ponte Rio-Niterói em 1984 com a inauguração da estrada Niterói-Manilha. Segundo o coordenador Dnit, Rodrigo Costa, a manutenção do trecho ficou precária a partir de 1998, quando a rodovia foi incluída no programa de concessões rodoviárias do Ministério dos Transportes.

A rodovia também foi palco de protestos. Num deles, o trecho entre Macaé e Campos ficou interditado por três horas no dia 25 de novembro deste ano. O fechamento foi um protesto do movimento Pró-Vida, que luta pela duplicação da estrada. Os manifestantes puseram fogo em pneus de tratores e espalharam 200 cruzes brancas, simbolizando as mortes registradas este ano naquele trecho.

No dia 8 de novembro, um trecho de 71 quilômetros da BR-101 Norte, por onde passam dez mil veículos por dia, foi completamente interditado devido ao desabamento de uma ponte na altura de Silva Jardim. O trecho só foi liberado 13 dias depois, o que causou prejuízo ao turismo e também atingiu os municípios produtores de petróleo.

www.oglobo.com.br/rio