Título: A INFLAÇÃO DOS NOVOS HÁBITOS
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 23/12/2005, Economia, p. 33

IBGE atualiza IPCA e gasolina terá o maior peso. Celular e internet ganham espaço

A gasolina já pesa mais no bolso dos brasileiros do que as tarifas de ônibus. A educação na rede particular ganhou importância na inflação, assim como os lanches e a refeição fora do domicílio. Itens como a internet, que antes nem eram pesquisados nas estatísticas da inflação, agora serão acompanhados pelo IBGE, que divulgou ontem a nova ponderação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado nas metas do governo.

A atualização no cálculo do IPCA foi feita com base na última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), de 2002/2003, que investigou os gastos de 48,5 milhões de famílias. Hoje, o índice reflete um perfil de gastos da POF anterior, de 1995/1996. Naquela época, a internet era usada por pouquíssimos brasileiros (e por isso não aparecia na inflação) e os celulares tinham peso de só 0,24% nos gastos. Com a nova estrutura do IPCA, o celular entra na lista dos 20 produtos com maior participação, respondendo por 1,34% do índice. As mudanças no cálculo da inflação vão valer a partir de julho do ano que vem.

Mais caros, serviços bancários terão peso maior na inflação

Enquanto alguns itens refletem novos hábitos de consumo - como a TV a cabo, que agora vai responder por 0,41% da inflação, contra 0,02% antes - outros ganharam participação porque subiram muito de preço, pesando mais no orçamento. É o caso dos serviços bancários, que saíram de 0,04% para 0,69%.

- Os bancos passaram a cobrar mais e por coisas que não cobravam - explicou Eulina Nunes, do IBGE.

As tarifas de ônibus urbano, por sua vez, perderam espaço porque as vans do transporte alternativo, que são incluídas nesse grupo, puxaram o preço para baixo. A energia elétrica residencial, que era o segundo item de maior peso, viu sua participação cair, graças à redução no consumo desde o racionamento de 2001. Com isso, a gasolina foi alçada a item de maior peso da inflação.

Refeições e lanches fora do domicílio ganharam relevância, com a urbanização do país e o maior número de mulheres trabalhando. O professor de matemática Alfredo Magaldi gasta R$600 por mês com refeições na rua e R$250 com celular, pois cancelou o telefone fixo em casa:

- Passo o dia na rua. Dou aulas de segunda a sexta de 7h às 22h. Tomo até café da manhã fora. E uso muito o celular para trabalhar - explica.

IPCA-15 fecha o ano em 5,88%

IPCA-15 fecha o ano em 5,88%

Dólar segura inflação. Vestuário sobe menos às vésperas do Natal

O câmbio ajudou a segurar a inflação este ano e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) subiu apenas 0,38% em dezembro, fechando 2005 em 5,88%, quase dois pontos percentuais abaixo dos 7,54% do ano passado, informou ontem o IBGE. O IPCA-15 usa a mesma metodologia do IPCA, adotado pelo governo em suas metas de inflação, só que apura os preços entre os dias 15 de cada mês.

Graças ao dólar e à boa safra agrícola do ano - que ficou abaixo das expectativas, mas ainda assim alcançou 112,7 milhões de toneladas - os alimentos subiram só 2,15% e alguns itens tiveram queda de preço. O arroz, por exemplo, chega no fim do ano 24% mais barato do que em 2004.

Também tiveram redução de preços óleo de soja (17,96%), feijão carioca (8,06%), macarrão (5,07%), farinha de mandioca (9,01%), farinha de trigo (8,31%) e bacalhau (7,02%).

- O câmbio ajudou, e muito, a conter a taxa de inflação em 2005 - disse Eulina Nunes, gerente do Sistema de Índices de Preços do IBGE.

A meta de inflação do governo para este ano é de 5,1%, mas com intervalo de tolerância até 7%.

O dólar - que até ontem acumulava queda de 12,17% no ano - terá efeito também na inflação de 2006, lembra Elson Teles, economista da Concórdia Corretora. Os Índices Gerais de Preços (IGPs) da Fundação Getulio Vargas (FGV), que são usados no reajuste da telefonia e da energia elétrica, devem fechar 2005 abaixo de 1,5%. Com isso, a pressão das tarifas públicas será bem menor no ano que vem, explica Teles.

Analistas vêem espaço para corte maior nos juros em janeiro

Além disso, assim como o IBGE, também a FGV atualizou os pesos dos diferentes itens no seus cálculos de inflação. Mas, se nas mudanças feitas pelo IBGE os analistas não vêem impacto relevante para a trajetória de inflação, os IGPs poderão ser ainda menores em 2006. O Banco Itaú calcula que, só por conta da nova ponderação dos preços agrícolas no atacado, o IGP-M ficará em 4,8% no ano que vem, 0,24 ponto percentual menor do que a previsão anterior.

Com o cenário de inflação baixa para o ano que vem, os economistas acreditam que o Banco Central (BC) poderá acelerar os cortes na taxa básica de juros em janeiro. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, destaca que os núcleos da inflação - taxas que desconsideram preços com variações bruscas - ficaram em média em 0,30% no IPCA-15 de dezembro. É um resultado abaixo do esperado pelo mercado e que, em termos anuais, dá uma taxa de 3,72%, bem inferior à meta de inflação de 2006, que é de 4,5%.

- O Banco Central costuma levar muito em conta os núcleos da inflação nas suas decisões sobre taxas de juros. Do ponto de vista da inflação, há espaço para o BC acelerar o corte de juros - afirmou Cunha.

No IPCA-15 de dezembro, os preços de carnes, frangos e peixes subiram com bem menos força. Em novembro, a carne bovina havia subido 5,58% com a ocorrência de febre aftosa, puxando as demais. Agora, a alta da carne bovina foi de só 0,30%. Já o frango saiu de um aumento de 1,79% em novembro para 0,58% agora e o peixe, de 2,07% para 0,77%.

Às vésperas do Natal, os preços do vestuário subiram bem menos em dezembro (1,15%) do que em novembro (0,68%). Reflexo das vendas fracas no comércio:

- O comércio está fazendo promoções para atrair o consumidor - afirmou Eulina, do IBGE. (L.R.).

Legenda da foto: ALFREDO MAGALDI gasta R$250 com celular por mês: "Passo o dia na rua"