Título: Aposta dobrada
Autor: Flávia Oliveira/Débora Thomé
Fonte: O Globo, 23/12/2005, Economia, p. 34

Na ata do último Copom deste ano, ficou claro que o Banco Central dobrou a aposta em sua política monetária. A conclusão surge não apenas dos argumentos técnicos, mas também da análise semântica do texto. O BC se referiu ao resultado do PIB no terceiro trimestre como "primeira estimativa", sinal cristalino de que duvida do número divulgado pelo IBGE no fim de novembro. Além disso, desconsidera a preocupação de dois de seus integrantes com o impacto dos juros na atividade econômica e destaca que "a maioria" preferiu o gradualismo.

Um terceiro ponto chamou a atenção no discurso do BC. Há tanta convicção nas decisões que não houve sequer o cuidado de produzir um texto original. Os três primeiros parágrafos da justificativa de implementação da política monetária da ata de dezembro são exatamente iguais aos da ata de novembro. Sem mudar uma palavra. (O trecho repete também o documento de outubro, à exceção do adjetivo "gradual", inserido na ata do mês passado para explicitar o ritmo de flexibilização da política monetária.)

- É curioso o BC repetir os mesmos parágrafos na hora de explicar sua decisão de política monetária, o centro nervoso da ata. Principalmente, se considerarmos que o cenário macroeconômico mudou de outubro para cá - comenta um analista que prefere não se identificar.

As ponderações estilísticas ajudam a explicar a razão pela qual o mercado enxergou na ata uma repetição do velho conservadorismo do BC. Nos dias seguintes à reunião, boa parte dos analistas esperava que o documento trouxesse sinais de que o ritmo de queda dos juros se ampliaria a partir de janeiro, dada a desaceleração da atividade econômica. Materializado, o documento evidenciou o dissenso dos oito membros do Copom, como diz o economista Alexandre Póvoa, do Banco Modal, em seu relatório:

"Se o documento tivesse sido escrito com um tom otimista, poderíamos inferir que o 6x2 foi apenas um sinal ao mercado de que o ritmo de 0,75% seria a provável preferência a partir de janeiro. Como o tom da ata foi de neutro para conservador, pode-se concluir que o placar representou um dissenso interno verdadeiro, que não necessariamente será revertido, tudo mais constante, até a próxima reunião do Copom."

Póvoa não vê chance de o BC promover um corte de 0,75 ponto percentual na Selic em janeiro. Roberto Padovani, sócio da Tendências Consultoria, também não. Ambos esperam cortes de 0,5 nas duas primeiras reuniões de 2006. Na prática, isso significa uma inflexão no ritmo de queda dos juros, uma vez que o Copom passará a se reunir a cada 45 dias no ano que vem. A Selic, assim, cairia um ponto no primeiro trimestre: em vez de meio, 0,33 ponto ao mês.

- O sinal foi conservador. A única hipótese de o BC ampliar o ritmo de redução é a atividade econômica continuar fraca neste último trimestre de 2005. Por isso, o BC vai olhar com atenção a produção industrial de novembro, que sai no início de janeiro, uma semana antes do Copom - diz Padovani.

O economista baseia sua análise no fato de que a inflação neste trimestre está maior do que o previsto inicialmente, o que carregaria alguma inércia para o IPCA do próximo ano. Na ata, o BC revela que a inflação de 2006 permanece acima da meta de 4,5%, segundo a projeção feita com base nas taxas de câmbio e juros estimadas pelo mercado.

Além disso, diz Padovani, os preços das commodities estão em alta no mercado internacional, o que pressiona a inflação. E mais: o BC está certo de que a desaceleração da economia foi um episódio localizado e a trajetória de crescimento não foi comprometida.

- Em 2003, eles cortaram rapidamente os juros e, logo depois, tiveram de subir novamente. Como o sobe-e-desce nunca é bom, acho que eles tendem a ser mais prudentes desta vez - completa o economista.

Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, também considera a ata conservadora, mas acredita que o BC vai manter o ritmo de queda da Selic em meio ponto ao mês. Por isso, haveriam cortes de 0,75 ponto nas reuniões de janeiro e de março. O economista também não tem dúvidas de que os indicadores antecedentes deste fim de ano serão decisivos nas próximas reuniões, mas cita uma razão adicional em defesa da flexibilização:

- Se os núcleos de inflação servem mesmo para algo, a queda deles muito acima do esperado deve ser levada em consideração. A média anualizada dos núcleos, que chegou a 6% em outubro, caiu para 3,72% no IPCA-15, que saiu ontem. Os números despencaram e devem cair novamente com o IPCA de dezembro, que virá entre 0,25% e 0,3%.

Agora é esperar até janeiro para ver quem tem razão: a dupla ou o sexteto do Copom.

Pouco gás

Representantes do governo malaio se reuniram no Comitê de GNV do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) para trocar experiências. A Malásia tem três vezes mais gás natural em suas reservas, um território que representa 4% do brasileiro e 26 milhões de habitantes. Mas consome pouco GNV: sua frota adaptada é de 16 mil veículos e há não mais que 40 postos de abastecimento.

Muito gás

A conversão de motores para o gás natural veicular (GNV) já bateu recorde este ano. A marca de 200 mil adaptações foi alcançada em novembro. Até então, o melhor desempenho fora em 2003, com 194 mil conversões. Ao todo, o Brasil tem mais de um milhão de veículos rodando com GNV, a segunda maior frota do mundo. A primeira é a argentina, com 1,3 milhão de automóveis.