Título: VIDIGAL AUTORIZA ABORTO DE FETO COM MÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA DO CÉREBRO
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 24/12/2005, O País, p. 4
Decisão é inédita por permitir um novo tipo de interrupção de gravidez
BRASÍLIA. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, concedeu ontem uma liminar permitindo que a gestante Michelly Chistina de Freitas, de 23 anos, seja submetida a aborto. O feto que ela carrega, de 26 semanas, tem hidranencefalia, uma má-formação congênita em que o cérebro é extremamente reduzido e provoca um retardo mental grave e impede o desenvolvimento normal. O portador da doença tem baixa expectativa de vida.
STF discute autorização de aborto em fetos sem cérebro
A decisão é inédita, pois autoriza, ainda que em caráter provisório, uma nova forma de aborto no país. Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de se autorizar o aborto em fetos com anencefalia - ou seja, sem cérebro. Nesse caso, o bebê nasce morto ou sobrevive apenas algumas horas após o parto. O STF chegou a conceder, por liminar, o direito a esse tipo de aborto. Mas a decisão foi cassada e o assunto aguarda uma decisão definitiva do plenário.
A Constituição autoriza a interrupção da gravidez em apenas duas hipóteses: gestações resultantes de estupro e casos em que a mãe corre risco de morte. Por isso, a liminar concedida ontem por Vidigal deve ser contestada.
O pedido de autorização do aborto de Michelly foi feito pela Procuradoria da Assistência Judiciária de Campinas (SP). O argumento utilizado foi o de que, se tivesse o filho, a mulher estaria fadada a um sofrimento para a vida toda. Vidigal concordou com a tese.
"Certo é que a gestação infrutífera ora impugnada trará riscos à própria saúde da gestante, que poderá sofrer por toda sua vida dos danos, senão os físicos, dos prejuízos psicológicos advindos do fato de carregar nove meses criança em seu ventre fadada ao fracasso".
Para o ministro, não autorizar a interrupção da gravidez significaria desrespeitar a Constituição, que garante proteção à vida e à saúde da população. Vidigal também argumentou que, conforme estudos médicos, o bebê com hidranencefalia costuma sobreviver por poucos dias.
"Deve prevalecer a vontade da mãe", diz advogado
Pessoas engajadas na luta pela legalização do aborto em casos de anencefalia apoiaram a decisão de Vidigal. O advogado Luiz Roberto Barroso, autor da ação sobre o assunto que tramita no STF, disse que a opção deve ser da mãe quando o feto sofre de uma doença congênita capaz de reduzir o tempo de vida do bebê.
- Quando se trata de um tipo de lesão que torna o feto incompatível com a vida em curto prazo, e se esse diagnóstico é seguro, deve prevalecer a vontade da mãe - argumentou Barroso.
A acadêmica Débora Diniz, doutora em bioética e partidária da interrupção da gestação de fetos anencéfalos, acredita que a liminar de Vidigal reforça ainda mais a luta da causa que defende.
- Na hidranencefalia, a morte não é imediata, mas é certa em tempo curto. O bebê não vai se transformar em uma criança - disse.
Legenda da foto: VIDIGAL: gestação significaria risco para a saúde da gestante