Título: 'ENQUANTO FORMIGUINHAS TRABALHAM, CIGARRAS CANTAM'
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 24/12/2005, Economia, p. 17

Palocci defende política econômica, criticada por integrantes do governo, e aposta em expansão de 5% em 2006

BRASÍLIA. Apostando numa expansão do Produto Interno Bruto (PIB) próxima de 5% em 2006, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, assegurou ontem que permanecerá no governo até o fim. Garantiu que não é candidato e que seu trabalho é ajudar o presidente Lula a garantir a estabilidade. Palocci disse que a marca da atual administração é o crescimento com justiça social e que a reeleição de Lula faria bem ao Brasil. O ministro defendeu a política econômica - alvo de críticas por integrantes do governo, como a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff - afirmando que "enquanto uns fazem esse trabalho de formiguinha que garante a estabilidade, as cigarras cantam". Mais tarde, ao ser perguntado se havia se referido à Dilma, garantiu que não há ministro cigarra. A seguir, os principais trechos da entrevista:

REELEIÇÃO: "Trabalharei muito para que o presidente Lula seja candidato e seja reeleito. A evolução do país mostra que o presidente Lula trouxe crescimento com justiça social para além do discurso, com mudança efetiva na distribuição de renda. Essa é uma marca importante. Penso que fará bem ao Brasil um período mais prolongado do presidente Lula".

CANDIDATURA: "Não é adequado que o ministro da Fazenda, que lida com o Orçamento, trabalhe pensando numa candidatura. Não é ético. No dia que eu tiver essa vontade, tenho duas opções: sair imediatamente do ministério ou tomar um banho gelado. Tenho tomado banhos gelados quando isso acontece. Eu gosto um pouquinho da política, mas não tenho nenhuma idéia de ser candidato. Penso que devo, até o fim do governo do presidente Lula, ajudá-lo naquilo que ele achar que devo ajudá-lo, no período e na forma em que ele achar. Esse é meu compromisso".

CRÍTICAS: "Críticas (como as de pessoas do governo) fazem parte da construção de uma grande democracia como o Brasil. O mais importante é não perder a tranqüilidade e a perseverança. Trabalhamos dia após dia para melhorar o endividamento e organizar o Orçamento. É esse trabalho de formiguinha que faz a estabilidade. Mas, no cenário do bosque, enquanto as formiguinhas trabalham, muitas cigarras cantam".

PIB: "Tenho segurança de que 2006 será um ano de forte crescimento e de que teremos crescimento seguidamente anos à frente. As condições estão dadas: baixa inflação, risco cada vez melhor, contas externas como nunca tivemos, renda real e vendas crescentes, disponibilidade de crédito. Esse conjunto indica um ano de forte crescimento. O resultado está em torno do obtido em 2004 (4,9%)".

SUPERÁVIT: "É possível que com os dados de estados, municípios, estatais e receitas, o superávit primário fique acima de 4,25% do PIB. Mas o quadro de planejamento da meta foi adequado. A disponibilidade de recursos para os investimentos não está comprometida em relação a isso. Também não vou brigar com estados e municípios porque estão economizando mais. Vou parabenizá-los".

ARROCHO: "No plano fiscal, diria que erram os críticos. Nos últimos 15 anos, quando o Brasil deixou de fazer esforço (para pagar juros), a dívida pública reagiu de maneira muito violenta, que piorou o quadro de estabilidade no Brasil. Respeito os críticos, mas discordo frontalmente deles. Na questão fiscal, estamos muito seguros de que um esforço forte e equilibrado faz bem ao país".

REUNIÃO MINISTERIAL: "Foi muito positiva. Fizemos um debate elevado sobre programas sociais, infra-estrutura e economia. Também tivemos forte diálogo sobre o que precisa melhorar. Não há um ambiente de crítica a câmbio, juros e o processo fiscal. Há, sim, um olhar sobre essas questões, um debate público".

DILMA: "Tenho excelente relação com a ministra. O fato de termos tido diferenças de opiniões não nos faz trincar relações, de forma alguma".

DESACELERAÇÃO EM 2005: "O processo de crescimento não é linear. Há meses e semestres mais fortes ou fracos. Este ano, o crescimento deve ser menor que o do ano passado. No próximo, será forte".

CRISE POLÍTICA: "No início, as pessoas tiveram forte percepção de que poderíamos ter problemas. Mas também foram observando que a economia não se abalou. Não houve aumento do risco-país, descontrole cambial, redução das exportações. A crise teve um impacto em determinado período, mas ele foi revertido pela própria solidez da economia".

CARGA TRIBUTÁRIA: "Desde ano passado, só fizemos medidas de redução da carga. Mas há um aumento da arrecadação, por dois motivos: eficiência da Receita e alta do IR da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (das empresas), que aumentaram a lucratividade. Não houve aumento de carga, cresceu a arrecadação".

JUROS: "Não há espaço para qualquer negligência no controle da inflação. Os juros já estão caindo, e isso vai prosseguir enquanto as condições da inflação permitirem. Dentro desse quadro, existem forças políticas e pessoas que querem uma evolução mais rápida. Vejo isso como um bom sentimento. Mas devemos evitar que nossas vontades atropelem os procedimentos normais que devem ser feitos para equilibrar a economia".

CÂMBIO: "O quadro exportador e a balança comercial melhoraram muito. As exportações dobraram. É verdade que alguns setores perderam, mas isso não pode nos levar a escolher taxa de câmbio. Quando o Brasil fez isso não se deu bem. Do jeito que estamos caminhando, teremos resultados sustentáveis no longo prazo".

MÍNIMO: "Ajudarei o presidente Lula a encontrar uma equação que possa dar um bom salário-mínimo ao trabalhador. Pelo aumento dado este ano, mais o controle da inflação, ele nunca esteve num nível tão elevado. A equipe econômica fornecerá os elementos relativos ao equilíbrio das contas em geral para a gente poder tomar a melhor decisão".

CPI DOS BINGOS: "Fiz 25 horas de diálogo. Liguei ou conversei com praticamente todos os membros da CPI sobre a oportunidade e o momento de dar os esclarecimentos. Não há nenhum mal-estar quanto a isso".

Legenda da foto: O MINISTRO da Fazenda, Antonio Palocci: "Penso que fará bem ao Brasil um período mais prolongado do presidente Lula"