Título: Estratégia torta
Autor: Flávia Oliveira/Débora Thomé
Fonte: O Globo, 24/12/2005, Economia, p. 18

A ênfase do Banco Central no gradualismo da política monetária detonou mais uma rodada de críticas quanto à aparente contradição de intervir no câmbio, em vez de acelerar a queda dos juros, o que aliviaria a atividade econômica e também depreciaria o real. O BC conseguiu elevar a moeda americana para R$2,30 com as operações de swap reverso e as compras no mercado à vista, mas ninguém crê que o preço vá se manter, se as intervenções cessarem. A Selic menor daria uma ajuda e tanto.

Ex-diretor de Política Econômica do BC, hoje no Banco Itaú, Sergio Werlang diz que uma redução mais forte dos juros básicos é a melhor alternativa para apreciar o dólar. Para ele, um corte de um ponto percentual em janeiro e dois de 0,75 ponto em março e abril fariam o câmbio responder mais consistentemente do que com as intervenções atuais:

- É um erro manter o gradualismo da política monetária. Assim que o BC suspender as intervenções no câmbio, o dólar vai cair de novo. Mas não acho que haverá mudança no ritmo de queda dos juros.

O economista, contudo, não acredita que a valorização do dólar - e seu possível impacto nas projeções de inflação - tornará o BC mais conservador. Segundo ele, o nível do dólar ainda está baixo e os preços da economia sequer incorporaram a queda passada:

- A gasolina, por exemplo, poderia ter caído 10% quando o dólar estava a R$2,15, mas não caiu. Não acho que a alta recente da moeda traga riscos à política monetária.

Opinião parecida tem Ilan Goldfajn, sucessor de Werlang no BC, hoje sócio da Gávea Investimentos. Ele afirma que o câmbio tem uma influência importante nas projeções de inflação, mas o efeito não é mecânico. Tampouco as decisões de política monetária são tomadas mecanicamente, com base apenas num modelo econométrico:

- Ninguém toma decisões olhando apenas o modelo. Para impactar a inflação, o dólar não apenas tem que subir, mas os empresários têm de acreditar que a moeda não vai cair novamente. Assim como eles não mexem nos preços quando o dólar cai um pouco, não vão mexer porque ele subiu um pouco. As intervenções do BC têm sido relevantes, mas acho que ainda não se instalou a sensação de que serão permanentes. Se a atuação for temporária, não haverá efeito sobre os preços.

Para Goldfajn, alguns analistas enxergaram uma preocupação do Copom com a taxa de câmbio e seus efeitos sobre as projeções do IPCA. Ele acredita que o raciocínio não é correto. Afinal, se o BC estivesse tão preocupado com os efeitos do dólar na inflação, não estaria atuando tão pesadamente no mercado cambial.

- Prefiro acreditar que eles estão intervindo no dólar porque estão seguros em relação à inflação. Não o contrário - diz.

Na leitura da ata, o ex-diretor do BC sentiu falta de uma discussão mais longa sobre os efeitos da política monetária na atividade econômica e na inflação. Para ele, a desaceleração da economia justificaria uma queda maior da Selic, mas o BC não se estendeu nesta análise, atribuída aos dois diretores que defenderam corte de 0,75 ponto percentual em dezembro.

Emanuel Pereira da Silva, sócio da GAP Asset Management, é outro que acha que juros menores teriam mais efeito no câmbio do que as operações de swap e a compra de moeda. Segundo ele, além do desestímulo ao fluxo financeiro, que reduziria a oferta de dólares no país, a Selic mais baixa incrementaria a demanda doméstica, acelerando o PIB.

- A taxa de juros está errada há tempos. Não entendo o BC fazer gradualismo com uma taxa nesse nível gigantesco (18% ao ano). O certo seria reduzir muito os juros para fazer o dólar subir, o que atenderia aos exportadores e não traria custos ao BC - resume.