Título: 'A CVM NÃO SE DEIXARÁ LEVAR PELO CANTO DA SEREIA E PELA EUFORIA'
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 24/12/2005, Economia, p. 22 e 23

Presidente do órgão regulador comemora resultados de 2005, com crescimento de emissões, mas alerta que o pequeno investidor deve manter a cautela ao fazer aplicações

Há um ano e meio à frente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o advogado Marcelo Trindade não se deixa seduzir pelo que chamou de "canto de sereia", como os recordes seguidos da Bolsa e as bem-sucedidas novas ofertas de ações. Para ele, quanto maior o mercado, maior o perigo para os investidores, que podem deixar a cautela de lado. Mas 2005 chega ao fim como um ano excepcional para o mercado, como deixam transparecer os números da CVM: as emissões de títulos e valores - ações e debêntures - mais que dobraram em relação ao ano passado. Até 21 de dezembro somavam R$70 bilhões, ante R$29 bilhões em 2004. Para 2006, os planos são lançar o site para investidores, que trará a comparação entre taxas, aplicação mínima e perfil dos fundos do mercado, o que promete agitar a indústria. No ano que vem, a CVM também fará a revisão da regulação dos fundos imobiliários.

Qual é o balanço que é possível fazer, hoje, de 2005?

MARCELO TRINDADE: O ano foi estupendo em termos de ofertas de ativos, aí incluídos ações e debêntures, por exemplo. A soma superou R$70 bilhões este ano, contra R$29 bilhões no ano passado. Em recebíveis, tivemos emissão de R$10,3 bilhões, quase o dobro dos R$5,5 bilhões do ano passado. E esse é um instrumento importantíssimo de captação pois dá acesso ao mercado a companhias fechadas que se aproveitam da qualidade do crédito de seus clientes e os vende diretamente no mercado. Já as debêntures somaram R$41 bilhões, ante R$9,6 bilhões no ano anterior.

E a emissão de ações, como ficou?

TRINDADE: Foram de R$11,4 bilhões, contra R$9,15 no ano passado. O crescimento do mercado foi acelerado, diversificado e ainda ocorreu em meio a uma crise política.

E juros altos...

TRINDADE:Também. Mas não podemos nos iludir em relação à liquidez internacional, que desempenhou um papel importante. O estrangeiro entrou pesadamente nas ofertas de ações e isso mostra que ele acredita que esse é um mercado capaz de lhe dar segurança e uma regulamentação adequada. A percepção é de que os fundamentos da economia estão boas, as taxas não vão ficar tão altas e tenho que buscar, agora, ativos que me dêem um retorno médio maior a longo prazo.

A CVM cumpriu a meta de cem julgamentos em 2005, reduzindo o prazo médio de julgamento de quatro para dois anos?

TRINDADE:Julgamos 94 casos. A grande maioria é de casos antigos, da década de 90. Diminuímos o tempo médio, mas recebemos este ano 77 novos processos. Já temos 11 processos marcados para janeiro e a meta é conseguir julgar os cem ano que vem. Mas ainda não dá, em 2006, para reduzir à metade o prazo de julgamento, que vai da ocorrência do fato até o julgamento efetivo. Porém, se julgarmos cem no ano que vem, em 2007, o prazo cairá à metade.

Este ano, a CVM aplicou várias "multas educacionais": eram julgamentos que, em alguns casos, não incluíam o pagamento de valores elevados, mas serviram para mostrar o que a autarquia considera atuação de risco...

TRINDADE: A presença do regulador se nota não apenas na punição. Inibimos condutas de risco, ousadas e que beirem a ilegalidade, se o agente (de mercado) sabe que está sendo vigiado. A CVM consegue o efeito educacional não só com julgamentos, mas com outras ações de fiscalização que não necessitam de um inquérito.

Por exemplo a suspensão temporária de uma oferta pública, como a do PIBB e das ações da Cosan?

TRINDADE: A operação do PIBB foi suspensa por uma decisão do ofertante.

Esse ano foi recorde em aberturas de capital na Bolsa - foram nove companhias ao todo - e o investidor pessoa física tem participado cada vez mais. Como a CVM acompanha o crescimento da presença do pequeno investidor nesses lançamentos de ações?

TRINDADE: É preciso que as pessoas físicas tenham conhecimento dos riscos de longo prazo que essas ofertas implicam. Quando sai no jornal que houve excesso de demanda de uma oferta, o pequeno investidor que não conseguiu aplicar tudo que queria, entra no primeiro dia de negócios comprando feito um louco, a um preço bem mais alto. Aí quando vai vender, o papel já caiu. Quando a CVM fica preocupada com informações sobre excesso de demanda, antes do fim da oferta, é porque o investidor pequeno pode estar sendo influenciado sem perceber. Mas também temos que ter a visão de que, quanto maior o mercado, maior o perigo. Quanto mais empresas abrem capital, mais atentos temos que ser. A CVM não se deixará levar pelo canto da sereia, pela euforia generalizada, temos que ser cada vez mais rigorosos na análise dos prospectos das ofertas e na divulgação das informações.

Por isso a cautela com a segunda operação do PIBB?

TRINDADE: O PIBB foi lançado com o Ibovespa a 30 mil pontos, batendo recordes, mas não vai subir para sempre. Mas o pequeno investidor não pensa nisso. A nossa função nesse momento não é brindar, mas lembrar os investidores dos riscos a que estão submetidos. O mercado não pode se tornar uma ilusão na cabeça de uma geração de investidores. E, para isso, o investidor precisa entender o risco do mercado e conhecer as companhias.

Mas essa é uma tarefa difícil já que a Bolsa subiu forte nos últimos três anos...

TRINDADE: O investidor está cada vez mais educado, mas é difícil aqui e em qualquer lugar do mundo educar o investidor, porque é uma tentação normal querer ganhar o máximo de dinheiro no menor tempo possível. Ele tem que ver, por exemplo, que Renda Fixa também tem risco. Achamos sem risco porque associamos sempre aos títulos do governo, mas os números desse ano mostram que, cada vez mais, vamos ter títulos privados nas carteiras dos fundos. Os gestores têm que ser mais criativos num cenário de queda de juros e, para ter uma rentabilidade melhor, precisarão comprar outros títulos que não os do governo.

O que está na pauta da CVM para o ano que vem?

TRINDADE: Vamos discutir os limites de investimento em certos papéis privados, como CDBs, Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) e Cédulas do Produtor Rural (CPRs). Não vamos proibir o investimento dos fundos nesses ativos. O objetivo é informar o investidor dos riscos. Isso deve ser feito entre janeiro e fevereiro. Este ano foi o da fiscalização e 2006 será o da regulamentação. Vamos atualizar a regulamentação dos fundos imobiliários, que data de 1994. Vamos também criar níveis diferenciados de companhias abertas (para facilitar o acesso ao mercado) e revisaremos a regulamentação da bolsa de mercadorias, também antiga.

E a indústria de fundos de investimento?

TRINDADE:Daremos cada vez mais atenção aos fundos de varejo, que são cerca de 350 dos 5.800 do mercado. É onde investe a pessoa física. Mandamos este ano mais de 20 mil e-mails de fiscalização para os administradores dos fundos, questionando limites de aplicação e variações no patrimônio. E desse total, menos de mil deram origem a ações de fiscalização efetiva, o que mostra que, no geral, a indústria de fundos vai bem.

E o site voltado para os investidores, que estava planejado para este ano?

TRINDADE: Sai início do ano que vem. Terá cartilhas sobre o mercado de ações, debêntures e fundos, comparação entre taxas de fundos de investimento. Será uma ferramenta que pode ajudar muito o investidor no dia-a-dia.

Legenda da foto: MARCELO TRINDADE: site para investidores estão entre os planos da autarquia para 2006