Título: MEMÓRIAS DA BATCAVERNA
Autor: Evandro Éboli/Adriana Vasconcelos/Bernardo de la P
Fonte: O Globo, 25/12/2005, O País, p. 4

Trabalho de CPI e do Conselho de Ética foi marcado por tensão e camaradagem

BRASÍLIA. A reunião estava tensa e a expectativa era de que o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator da CPI dos Correios responsável por decifrar as movimentações financeiras do empresário Marcos Valério de Souza, faria revelações. Ele pretendia explicar o funcionamento da chamada conta-mãe, usada para abastecer políticos aliados do PT. O clima entre representantes do governo e da oposição, como na maior parte do tempo, era de confronto, mas uma brincadeira descontraiu o ambiente.

- Vamos ouvir agora as descobertas da conta-mãe, das contas-tias e da conta-neto. Há contas para toda a família - brincou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), ao iniciar a reunião, a portas trancadas, no subsolo do Senado onde funciona a secretaria da CPI.

Este lugar, por sinal, está sempre na boca do "povo do Congresso". É conhecido por políticos e jornalistas como Batcaverna e é lá que acontecem as reuniões supostamente secretas ou urgentes. Na porta da Batcaverna, jornalistas passaram horas à espera de uma grande revelação. Políticos envolvidos no valerioduto temiam o que poderia sair de lá.

Embora a brincadeira sobre a conta-mãe mostre apenas um momento de descontração na CPI dos Correios, gafes, estilos e dificuldades dos parlamentares já entraram para o anedotário do Congresso neste ano de clima tão tenso. Tanto nos bastidores quanto nas reuniões públicas, os parlamentares se divertem com essas histórias que surgem quase sempre nos momentos mais difíceis.

No dia 23 de novembro, por exemplo, numa reunião administrativa, Delcídio, o relator Osmar Serraglio (PMDB-PR), o relator-adjunto Eduardo Paes (PSDB-RJ) e os sub-relatores reclamavam com o deputado Carlos William (PMDB-MG) por causa do excesso de requerimentos apresentados por ele.

- Mas o meu modis (sic) operandi não é assim! - reagiu o deputado, dando uma nova grafia ao termo latim modus operandi. (modo de agir)

Não é somente na CPI que os parlamentares acabam se divertindo enquanto investigam os escândalos. No Conselho de Ética, em meio ao conturbado processo que culminou com a cassação do mandato do ex-ministro José Dirceu, o relator do processo, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), tentava falar e pedia ao presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), que lhe desse a palavra por apenas 30 segundos.

Depois de muita insistência, Izar cedeu. Gaiato, o deputado mineiro Edmar Moreira (PFL) não perdeu tempo. Puxou o microfone e disparou:

- Aí, Júlio, agora vai lá: se vira nos 30 - ironizou, numa referência ao quadro "Se vira nos 30", apresentado no "Domingão do Faustão", no qual as pessoas têm 30 segundos para fazer qualquer coisa que chame a atenção dos telespectadores.

Na semana passada, o senador Sibá Machado (PT-AC), durante depoimento no mesmo Conselho no processo do deputado Pedro Corrêa (PP-PE), também foi alvo de uma intervenção irônica. Diante das respostas evasivas do senador, o deputado Nelson Trad (PMDB-MS) provocou:

- O senhor por acaso acha que veio aqui para falar de sua primeira comunhão? - fustigou Trad.

Mas discussões entre parlamentares terminam também em ironias mais pesadas. Às vezes até agressivas. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que é conhecida entre seus colegas pela defesa aguerrida que faz do governo, foi vítima de sua estratégia numa discussão com o tucano Eduardo Paes. O deputado fluminense tentava encerrar um debate sobre a aprovação de requerimentos na CPI, acusando integrantes da base aliada de serem intransigentes:

- E ainda nos acusam, nós, os tucanos, de fazermos alianças com essas figuras - disse, apontando para a senadora e outros dois petistas sentados a seu lado na CPI.

Ideli reagiu na hora, dizendo que era uma "senadora da República" e que não aceitava ser tratada daquele jeito. Mais irônico ainda, o deputado passou a tratá-la em pelo menos outras cinco menções ao seu nome como "a ilustríssima e excelentíssima senadora da República eleita pelo estado de Santa Catarina, Ideli Salvatti".

O petista José Eduardo Cardozo (PT-SP), sub-relator responsável pela análise dos contratos dos Correios, já virou alvo de uma brincadeira nos corredores do Congresso: estaria concorrendo para entrar no Guiness Book como o parlamentar que mais tomou depoimentos em uma CPI. São três por dia às terças, quartas e quintas-feiras. E quase sempre o deputado está sozinho ouvindo o depoimento pela falta de interesse de seus colegas de comissão no assunto.

É tanta gente sendo ouvida que o recurso a um atestado médico para adiar o depoimento já se tornou uma febre na CPI. Na quinta-feira, por exemplo, uma crise renal garantiu o adiamento do depoimento de Reginaldo Menezes Fernandes, sócio da Skymaster, que presta serviços aos Correios. Mas o que chamou atenção foi a desculpa dada pelo outro sócio da empresa, Eder Jouber Ribeiro Cabo Verde, para não comparecer: ele alegou que teria de acompanhar Reginaldo no hospital. Na próxima semana, deverá ser conduzido pela polícia para prestar seu depoimento.

COLABOROU Evandro Éboli

www.oglobo.com.br/pais