Título: Justiça apertará cerco sobre gastos de campanha
Autor: Chico Otávio
Fonte: O Globo, 25/12/2005, O País, p. 11

Conjunto de propostas apresentada por magistrados é de aplicação imediata, sem necessidade de mudança na legislação

Magistrados e promotores públicos se uniram para aumentar o controle sobre os gastos de campanha e reprimir a prática do caixa dois. Uma das propostas apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é a exigência de que candidatos ou comitês financeiros, já nas eleições do ano que vem, trabalhem com uma conta bancária única, para entrada e saída dos recursos de campanha.

As arrecadações durante as eleições têm sido um foco de corrupção no Brasil. As disputas eleitorais são travadas, geralmente, em dois campos. O oficial, constituído pelas cifras declaradas à Justiça Eleitoral, e o real, dos gastos milionários em campanhas políticas, relações suspeitas com o mundo empresarial e maços de dinheiro circulando nos comitês partidários.

A conta bancária única faz parte de um conjunto de propostas apresentadas semana passada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ao TSE. A maioria pode ser aplicada imediatamente, pois não depende de mudanças da legislação.

- Até agora, a postura do Judiciário tem sido muito passiva no processo eleitoral. Só atua após a prestação de contas. Com isso, sofre um desgaste imenso quando surgem denúncias como o escândalo do mensalão. Somos criticados por não impedir que isso ocorra - diz a presidente interina da AMB, juíza Andréa Pachá.

As entidades também pediram ao TSE que cobre a prestação de contas de candidatos e partidos em tempo real na internet, disponível à população durante e depois da campanha, e apóie juízes e promotores na fiscalização das contas de maneira contínua, durante o processo eleitoral, e não somente após o pleito, com medidas reparadoras de efeitos preventivos e imediatos.

- Depois que o sujeito é eleito, é muito difícil cassar o mandato. Estamos vendo isso agora - afirma o vice-presidente da Conamp, procurador José Carlos Cozenzo.

Outra proposta é a criação de pólos regionais de fiscalização, compostos por assessoria técnica para auxiliar, de modo descentralizado, a Justiça Eleitoral no processo fiscalizador das campanhas.

- Com tais medidas, dificilmente um mensalão vai acontecer novamente - diz o procurador. - A prestação de contas hoje é só contábil. O candidato diz que vai gastar e apresenta nota equivalente aos gastos. Só se pega com denúncia ou prova depois, o que é muito difícil.

Os dirigentes da categoria dizem que, independentemente dos efeitos de suas propostas junto à Justiça Eleitoral, juízes e promotores já estão mobilizados para, onde for possível, combater o caixa dois em 2006.

Duas propostas dependem de mudanças na lei

Prazo para alterar legislação esgotou-se em 30 de setembro

Diferentemente da maioria das propostas da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que já pode ser aplicada em 2006, duas dependem de mudança da legislação. Para coibir de vez a prática do caixa dois, as duas entidades defenderam a fidelidade partidária - o princípio de que perderá o mandato o candidato eleito que deixar o partido - e a possibilidade de perda dos direitos políticos independentemente da renúncia antes, durante ou depois da investigação.

Como exigem a apreciação do Congresso, as duas propostas já não podem ser adotadas para as próximas eleições, pois o prazo para alteração da legislação eleitoral terminou em 30 de setembro.

AMB: crise política é causada por desvio ético

Com 14 mil associados, a AMB, maior entidade de magistrados do mundo, acredita que a crise política atual é conseqüência de desvios éticos e que, portanto, a solução não passaria por grandes mudanças na legislação eleitoral. As propostas, sustenta a direção da entidade, visam a apenas contribuir para o aperfeiçoamento do processo eleitoral brasileiro.

- A solução da crise depende mais da conduta daqueles que ocupam cargos públicos, sejam eletivos ou não. Enquanto houver quem defenda que caixa dois é um crime menor, não conseguiremos sanear as instituições públicas brasileiras - diz o presidente da AMB, Rodrigo Collaço.

A arrecadação, os gastos e a prestação de contas das campanhas representam uma das caixas pretas mais protegidas da política nacional. Não se sabe, por exemplo, onde fica a sede financeira de um comitê. O tesoureiro é, normalmente, uma figura nebulosa, que atua nos bastidores, enquanto o candidato faz barulho nos palanques eleitorais.

Marketing responde por 70% dos gastos de campanha

Com suas produções sofisticadas, as campanha eleitorais estão cada vez mais caras, especialmente na área de comunicação (contratação de marqueteiros, empresas de assessoria de imprensa, programas de rádio e televisão). Esta despesa, normalmente, consome 70% dos recursos disponíveis. Outros 15% são gastos com pesquisas de opinião.

A Lei 9.504, que disciplina o processo eleitoral, exige que os comitês e candidatos façam uma previsão dos gastos de campanha. Posteriormente, eles são obrigados, na prestação de contas, a identificar a origem da doação e comprovar as despesas. A legislação, entre outras falhas, não prevê a punição para candidatos que tenham perdido as eleições e nem facilita a fiscalização na campanha eleitoral.