Título: Política, tragédia e ceticismo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/12/2005, O País, p. 2
Nunca como ao longo deste ano de 2005 a política esteve tão fortemente associada à tragédia. Na origem dela, as amarguras de Roberto Jefferson, que se sentindo traído e abandonado, decide se vingar arrastando seus parceiros para o infortúnio moral em que caíra. No centro dela, a conseqüente transfiguração do PT, de partido da ética em patrocinador de ilicitudes políticas. Na platéia nacional, a tragédia dos incrédulos, que logo estarão indignados e finalmente desiludidos e céticos.
Aldo Rebelo, presidente da Câmara e livre-pensador, diz que, nestas horas trágicas, é sempre forte a tentação de negar a política enquanto atividade construtiva da democracia. As corporações, tanto públicas como privadas, tendem a ganhar força nestas horas e acabam convencendo a muitos de que a política não vale a pena. Não estão entretanto estas corporações pensando na democracia como bem maior e coletivo, mas quase sempre em seus próprios interesses ou das minorias que representam. Nem elas nem outros pregadores do fim da política ou da nulidade do Legislativo.
- Os verdadeiros democratas sabem que não há substituto para a política. Quando o poeta alemão Goethe encontrou Napoleão, perguntou-lhe qual seria o sentido moderno da tragédia. Ouviu do imperador que a tragédia antiga, dos gregos, dos persas e de outros povos, tinha como marca a renúncia dos homens a seu destino, que estavam nas mãos dos deuses e de seus oráculos, que para revelá-lo, exigiam sacrifícios. Quando os romanos inventaram a política, prosseguiu Napoleão, o destino deixou de pertencer aos deuses e passou a pertencer aos homens. A tragédia ganhou então um novo nome: política.
E ao longo dos séculos, prossegue agora o presidente da Câmara, começando com Júlio César e os romanos, a tragédia visitou a política. No Brasil mesmo ela nos visitou em diversos momentos. É preciso contar com esse risco. O que não se pode, e esta é uma tentação que parece estar no ar neste momento, é desejar a supressão da política.A não ser que alguém esteja pensando em reinventar os deuses e oráculos ou se julgue habilitado a substituir os políticos e seu trabalho, sem o qual a democracia não se põe de pé.
- Geralmente esta tentação parte das corporações, que não têm legitimidade do voto, que não foram às ruas para disputar com propostas e idéias a representação do povo. No entanto, muitas vezes, elas se arrogam o papel de substitutas do Poder Legislativo. Tenho visto muito isso recentemente e acho preocupante. Este poder, com todas as suas imperfeições, com vícios e virtudes que espelham a própria sociedade, é insubstituível. Inclusive porque aqui os mandatos são finitos e periodicamente sujeitos ao julgamento popular. Deixo essa reflexão, neste final de ano, sobretudo para os que, com justa razão, têm se prometido não mais acreditar e até não mais votar. Isso, sim, seria uma renúncia ao destino - diz Aldo.