Título: 'O ano foi horrível, um desastre', diz Chinaglia
Autor: Lydia Medeiros/Adriana Vasconcelos
Fonte: O Globo, 26/12/2005, O País, p. 4

Produção do Legislativo caiu em meio a denúncias de corrupção e investigações do pagamento de mensalão

BRASÍLIA. Um ano horrível. A definição para 2005 é do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Foi o ano em que a Casa teve três presidentes e cassou o mandato de dois de seus mais influentes integrantes- José Dirceu e Roberto Jefferson. Outros cinco parlamentares preferiram o caminho da renúncia - entre eles um dos presidentes, Severino Cavalcanti - num reflexo da grave crise política que abalou o governo Lula, enfraqueceu o presidente, derrubou toda a cúpula do PT e manchou a imagem dos partidos e do Congresso.

O ano que assombrou o líder começou antes do calendário oficial. Em outubro de 2004, terminadas as eleições municipais, os conflitos que se revelariam nos meses seguintes já estavam desenhados. Foi ali que se fecharam os acordos financeiros entre os partidos da base governista, com o patrocínio do caixa do PT. Como os acertos não foram todos cumpridos, a resposta dos aliados chegou em forma de traição. Em fevereiro, foi derrotado o candidato petista à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh, e eleito Severino.

Até junho, quando Jefferson contou o que sabia sobre os acordos eleitorais e apresentou ao país o empresário Marcos Valério de Souza, não se sabia o porquê das dificuldades da Câmara em votar. Três CPIs começaram uma devassa na administração pública e na vida partidária, ganharam audiência nacional e subverteram todas as convicções da política brasileira.

- O ano foi horrível, um desastre político. E para nós, do PT, é muito doído - lamenta Chinaglia.

"Uma estupidez inimaginável"

Com a crise e as investigações, a produção do Legislativo caiu, especialmente na Câmara, onde os principais representantes da base governista foram atingidos pelo escândalo do mensalão.

- Não creio que tenha havido mensalão, mas foi uma estupidez inimaginável o acordo entre as executivas dos partidos da base - acrescenta o petista.

Os dirigentes do Congresso, apesar de tudo, chegaram ao fim de dezembro dizendo ver motivos para comemorar.

- A investigação das denúncias não prejudicou a missão e o trabalho legislativo no decorrer de 2005 - afirmou o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). - Há muitas vezes uma expectativa errônea, segundo a qual o Legislativo seria uma fábrica, uma linha de montagem de leis. É uma compreensão equivocada. A Câmara não é uma fábrica de leis, não é uma linha de montagem de projetos.

Para Aldo, o papel da Câmara é tratar de temas fundamentais e prioritários para o país e não se preocupar com a quantidade de projetos votados.

- É a qualidade das leis que determina a qualidade do Legislativo. Não adianta aprovar centenas de leis inócuas, inúteis, verdadeiros penduricalhos que pouco acrescentam aos interesses da população e do país - avaliou.

Chinaglia atribui às medidas provisórias, tão atacadas pelos parlamentares, boa parte do resultado que o Congresso mostrou em 2005:

- As medidas provisórias salvaram o ano legislativo. A produção geral até surpreendeu pelo tamanho da crise.

O líder destaca entre as medidas redentoras a que criou regras para facilitar a oferta de microcrédito, a do ProUni, que concede bolsas para alunos carentes em universidades privadas, e a chamada MP do Bem, que desonerou o setor produtivo e estabeleceu incentivos à exportação.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aliado estratégico para o governo, terminou 2005 exaltando a independência do Congresso. Sua maior preocupação foi descolar a imagem da casa - e a própria - dos esforços do governo para amenizar os efeitos devastadores das investigações.

Foi também no fim de 2004 que a oposição, arrasada pela vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reergueu-se ao eleger prefeitos importantes, como José Serra, em São Paulo. Chegou às CPIs com fôlego para tirar proveito de de uma crise que não provocou. Mas não saiu ilesa. Um senador tucano, Eduardo Azeredo, e um deputado pefelista, Roberto Brant, ambos mineiros, entraram na lista dos políticos que usaram o caixa dois de Marcos Valério.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), considera que a crise desorganizou a vida da Câmara, não impediu o Senado de trabalhar, mas envenenou as relações entre governo e oposição. Ainda assim, chega a 2006 otimista:

- Se teve alguma coisa positiva, foi que as instituições resistiram e mostraram que a democracia brasileira é sólida. Algo que me dói na alma é ver pesquisa após pesquisa mostrar as mais duras avaliações do Congresso, apesar de ser a instituição parlamentar o cerne do regime democrático - afirmou o tucano.

Congresso ainda é o palco maior

Apesar do descrédito a que a classe política foi submetida em 2005, Aldo faz uma defesa veemente do Congresso como palco maior das decisões da vida nacional, com todos os riscos que o exercício da política traz:

- Quem atua na política tem de levar permanentemente em conta que está muito próximo e em contato quase que carnal com a tragédia. A política traz consigo esses riscos, mas não há quem possa substituí-la a não ser que alguém cogite da possibilidade de trazer de volta os oráculos gregos e persas ou transformar-se a si mesmo em oráculo. Não há substituto para a política.

Legenda da foto: DERROTA NA PLANÍCIE