Título: NOVO PERFIL DA DÍVIDA INTERNA
Autor: Patrícia Duarte
Fonte: O Globo, 26/12/2005, Economia, p. 13

Tesouro elevará para até 40% fatia de títulos prefixados em 2006, melhor nível em 7 anos

O Ministério da Fazenda está convicto de que a trajetória de queda da taxa básica de juros - hoje em 18% ao ano - é irreversível em 2006. Sinal disso é a preparação do Tesouro Nacional para elevar de aproximadamente 28%, percentual que deve fechar 2005, para entre 35% e 40% a proporção dos títulos prefixados (com remuneração decidida no momento da emissão dos papéis) na dívida interna do país, hoje de R$959,5 bilhões. Será a maior participação em sete anos. A programação da administração da dívida deverá ser divulgada apenas em janeiro.

- Algo em torno de 35% a 45% (de participação de prefixados) será um bom número - adiantou ao GLOBO o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, José Antonio Gragnani, acrescentando que o objetivo é rolar praticamente 100% da dívida no próximo ano.

Se esse patamar for atingido, será a primeira vez que a fatia desses títulos - considerados mais vantajosos por terem custo mais baixo e permitirem maior previsibilidade na administração dos débitos - ficará acima de 30% do endividamento federal desde dezembro de 1999, pelo menos, segundo dados históricos do Banco Central (BC). Em dezembro de 2004, por exemplo, os títulos prefixados eram 20,09% do total. A idéia do Tesouro é continuar aproveitando a perda de atratividade dos títulos pós-fixados com o declínio da Selic, já que a remuneração desses papéis é determinada na hora do resgate.

Tamanho do débito federal ainda pesa

O BC imprimiu, desde setembro passado, um ritmo de queda para a Selic e, segundo avaliação do mercado, a taxa deve encerrar 2006 em torno de 15% anuais, com a expectativa de que a inflação continuará sob controle. Esse cenário também favorece a emissão de mais títulos atrelados a índices de preços. Até o mês passado, eles respondiam por 14,86% do total da dívida, mesmo patamar de um ano antes, mas com expectativa de que avancem mais em 2006.

Os papéis indexados à Taxa Selic (pós-fixados) respondiam em novembro, último dado disponível, por 53,93% do total da dívida interna brasileira (em títulos) - abaixo dos 57,14% vistos no fim do ano passado. De acordo com Gragnani, essa fatia deve cair para menos da metade em 2006.

A mudança do perfil da dívida interna é importante por se tratar de um dos principais nós que a equipe econômica tem a desatar. Ela é uma das variáveis que os investidores e as agências de classificação de risco levam em conta na avaliação das condições do país. Além disso, existe outro fator relevante: em 2006, ano eleitoral, o vencimento da dívida interna soma pouco mais de R$400 bilhões, ou 43%, praticamente o mesmo percentual de 2005 (44%), mas mantendo o maior nível desde 2000.

Os especialistas acreditam que o governo não terá dificuldades para rolar a dívida, já que os fundamentos econômicos são considerados mais sólidos que em 2002, outro ano eleitoral. Reconhecem, no entanto, que haverá momentos de volatilidade em 2006, já prevendo forte debate político, mas acreditam que a melhora do perfil da dívida que o Tesouro almeja será fundamental para dissipar o estresse.

- Haverá volatilidade natural, mas não como em 2002. Não há no horizonte grandes mudanças que afetem o cenário econômico mais a longo prazo - afirmou o economista-chefe da consultoria Tendências, Roberto Padovani.

Mesmo com o cenário mais azul, o volume elevado e os prazos ainda considerados curtos dos vencimentos da dívida são tidos como pontos negativos. A diretora de Rating Soberano da agência de classificação de risco Standard & Poor's, Lisa Schineller, concorda que o perfil da dívida está melhorando, mas argumenta que o tamanho da rolagem que o país tem de fazer ainda é elevado, semelhante ao de nações com risco no patamar BB, como o Brasil.

Em país rico, prazo é até 15 vezes maior

Em novembro, o prazo médio de emissão dos títulos que compõem a dívida interna ficou em 24,8 meses, muito curto se comparado com o de outros países, que pode chegar a 30 anos no caso dos mais ricos.

- Mesmo assim, os fundamentos brasileiros são mais fortes que em 2002. O país está hoje em melhor posição para absorver possíveis impactos - afirmou Lisa.

A melhora da composição dos débitos, diz Lisa, também passa pela diminuição da fatia dos títulos cambias, expostos à volatilidade deste mercado. Em novembro, esses papéis eram 1,92% do total e, segundo Gragnani, do Tesouro, já devem estar praticamente zerados agora.

- Mesmo que alguma turbulência aconteça, temos um colchão (de recursos) que garante a dívida por 4 a 5 meses - acrescentou Gragnani.

"Os fundamentos são mais fortes que em 2002. O país está hoje em melhor posição para absorver possíveis impactos"

LISA SCHINELLER

Diretora de Rating da Standard & Poor's

"Mesmo que alguma turbulência aconteça, temos um colchão (de recursos) que garante a dívida por 4 a 5 meses"

JOSÉ ANTONIO GRAGNANI

Secretário-adjunto do Tesouro

Papéis indexados ao câmbio em extinção

BRASÍLIA. O processo de mudança do perfil da dívida interna brasileira vai fazer o país entrar em 2006, nesta esfera, sem compromissos indexados ao câmbio. E isso significa que, pelo menos em boa parte, na administração desses débitos haverá menos volatilidade, uma vez que o país não estará vulnerável ao mercado de dólar. A dívida, hoje, gira em torno de US$960 bilhões.

- Com a redução dos títulos cambiais, conseguimos reduzir a volatilidade da dívida - afirmou o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, José Antonio Gragnani.

Em novembro passado, último dado divulgado, os títulos cambiais respondiam por apenas 1,92% do total da dívida - muito abaixo dos 22,38% no fim de 2002. No entanto, explicou Gragnani, sobretudo com a ação do Banco Central (BC), já em dezembro praticamente não existem mais esses papéis na composição dos débitos.

O BC tem, desde o mês passado, realizado sistematicamente leilões de swap cambial, nos quais, na prática, troca posições em dólares por contratos em juros. Já foram movimentados cerca de US$7 bilhões com esses leilões.

A inexistência de títulos cambiais na composição da dívida interna é vista com bons olhos e tem chamado a atenção das agências de classificação de risco. Para a diretora de Rating Soberano da Standard & Poor's, Lisa Schineller, a ação do país nesse sentido ajudará a melhorar o risco, juntamente com a elevação da fatia dos títulos prefixados (cujo rendimento é fechado antes do vencimento).

- A dívida interna é uma área importante para a classificação de risco - disse Lisa.

O Brasil está em busca da classificação de grau de investimento, para ter melhores condições de captação de recursos, sobretudo no exterior. Hoje, o país é classificado como BB-, a apenas três degraus do topo. Especialistas, de modo geral, acreditam que o Brasil atingirá esse objetivo até 2009. (Patrícia Duarte)