Título: BISPOS ACHAM NORMAL POLÍTICA NO CONCLAVE
Autor:
Fonte: O Globo, 26/12/2005, O Mundo, p. 16

Vaticano silencia sobre atuação de grupos de cardeais para eleger Bento XVI

A ação do cardeal alemão Joseph Ratzinger para se tornar o Papa Bento XVI, como revelou ontem o GLOBO, foi considerada legítima por integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Segundo um bispo, que pediu para não ser identificado, é normal a existência de acordos e até mesmo de campanha numa disputa eleitoral, inclusive num conclave. O bispo cita como exemplo o que ocorre na própria CNBB, onde as eleições costumam ser disputadas.

- A diferença é que no Vaticano a eleição é protegida por um segredo divino, até porque todos os cardeais eleitores fazem um juramento de confidencialidade - ressaltou.

Procurada pelo GLOBO, a Nunciatura Apostólica no Brasil, a embaixada da Santa Sé, informou que não iria se pronunciar sobre a matéria dos segredos do conclave que elegeu o Papa Bento XVI. Na reportagem publicada ontem, o GLOBO divulgou detalhes dos acordos políticos do conclave dos dias 18 e 19 de abril e que a corrida eleitoral no Vaticano foi muito mais intensa do que havia sido divulgada até o momento.

Segundo relato de um cardeal brasileiro, o alemão Joseph Ratzinger deu sinal verde para sua candidatura, mandou dizer aos colegas que aceitaria ser papa e chegou a contar com a ajuda de um grupo influente de cardeais conservadores como cabos eleitorais. Apesar do silêncio do Vaticano sobre a disputa política no conclave de abril, oito anos antes de sua eleição o então cardeal Joseph Ratzinger, na época a mais alta autoridade doutrinária de João Paulo II, deixou claro que havia um equívoco de interpretações sobre como o Espírito Santo agia na eleição realizada na Capela Sistina. A própria interpretação de Ratzinger abriria a brecha necessária para sua campanha este ano.

Em entrevista à TV alemã, Ratzinger disse que Espírito Santo não controla o processo

A entrevista de Ratzinger sobre a atuação do Espírito Santo num conclave foi concedida à televisão da Baviera, em 15 de abril de 1997, e registrada pelo vaticanista americano John L. Allen, do "National Catholic Reporter", no livro "Conclave". Ao ser indagado se acreditava que o Espírito Santo tinha o seu papel na eleição do papa, o cardeal alemão foi habilidoso:

- Eu não diria isso no sentido de que o Espírito Santo escolhe o papa, porque há muitos casos antagônicos de papas que o Espírito Santo obviamente não escolheria. Diria que o Espírito Santo não controla exatamente o processo mas, como o bom educador que ele é, deixa-nos muito espaço, muita liberdade, sem nos abandonar inteiramente. Assim, o papel do Espírito Santo deveria ser entendido num sentido muito mais elástico, não de que ele dita o candidato em quem se deve votar. Provavelmente, a única garantia que oferece é que a coisa não pode ser totalmente arruinada.

As declarações cuidadosas do então cardeal Ratzinger tinham a autoridade necessária de quem havia participado antes de dois conclaves, em 1978. A prudência do alemão não foi por acaso. A Igreja Católica ensina que o Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade, preside a eleição do papa. Por causa disso, em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi duramente atacado por integrantes da Igreja depois de defender publicamente a candidatura do cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes. A crítica era de que Lula não podia interferir numa eleição presidida pelo Espírito Santo.

Fontes da CNBB também reconheceram como natural a rede de apoio formada por grupos de pressão como a Opus Dei para eleger o então cardeal Joseph Ratzinger no conclave de abril. A avaliação na CNBB é que a prelazia Opus Dei goza de grande prestígio no Vaticano, principalmente entre os cardeais mais conservadores. Por isso, entre os bispos brasileiros não foi surpresa a ação dos cardeais mais próximos desse movimento, como o colombiano Alfonso López Trujillo e o chileno Jorge Arturo Medina Estévez para a campanha do Papa Bento XVI.

Recentemente, em artigo intitulado "A campanha contra a Opus Dei", publicado no GLOBO no dia 17 de dezembro, o cardeal-arcebispo emérito do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, fez uma defesa veemente da prelazia. Ele chegou a afirmar que alguns se tornam alvo da crítica que busca neutralizar o sucesso da evangelização. E citou como exemplo "uma campanha contra São Josemaria Escrivá e a instituição Opus Dei, que tantos beneméritos serviços presta à Igreja do Senhor Jesus". Ele acrescentou ainda que os integrantes da Opus Dei vivem até as últimas conseqüências a fidelidade ao magistério eclesiástico e que isso "desagrada a certas correntes de pensamento em voga".