Título: A TEIA DO VALERIODUTO
Autor: Adriana Vasconcelos e Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 27/12/2005, O País, p. 3

Mais deputados e 400 servidores da Câmara são suspeitos de envolvimento no esquema

Além dos 19 deputados citados em seu relatório parcial enviado ao Conselho de Ética, a CPI dos Correios investiga agora a participação de outros parlamentares no esquema de distribuição de dinheiro montado pelo empresário Marcos Valério de Souza e pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. A nova frente de investigação toma por base o cruzamento de dados da movimentação financeira das empresas de Valério e de servidores da Câmara. Pelo menos 400 funcionários de carreira ou temporários, contratados pela Câmara nos últimos cinco anos, estão sendo investigados porque há vínculos entre eles e as movimentações financeiras feitas pelo grupo ligado a Valério.

Outros 660 servidores ¿ comissionados ou não ¿ fizeram apenas ligações para empresas ou pessoas ligadas ao valerioduto. A CPI já identificou 40 servidores ou ex-funcionários que fizeram tanto contatos telefônicos como transações bancárias com empresas ou pessoas ligadas a Valério.

Os integrantes da CPI suspeitam que, por trás dos funcionários, existam outros parlamentares que receberam dinheiro ou algum outro tipo de vantagem do esquema de Valério, dono das agências de publicidade DNA Propaganda e SMP&B. A nova lista de servidores investigados é resultado do cruzamento de dados feito pelo programa de computador I2, usado pela CPI. Esse programa cruzou informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho, com a movimentação financeira e os dados referentes aos contatos telefônicos de Valério e 21 pessoas e empresas ligadas a ele nos últimos cinco anos A Rais identifica funcionários contratados pela Câmara nesse período.

O cruzamento de informações só foi possível porque os parlamentares obtiveram no Ministério do Trabalho a relação das pessoas que receberam por terem trabalhado na Câmara ou no Senado nos últimos cinco anos. A lista havia sido solicitada à Mesa da Câmara durante a gestão do ex-presidente da Casa Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou em meio ao escândalo de que teria recebido dinheiro para renovar a concessão do restaurante da Câmara. Severino, porém, sempre se negou a fornecer os dados.

Mulher de Janene aparece na lista

O número de 40 assessores parlamentares que tiveram relações financeiras e contatos telefônicos com Valério não quer dizer, entretanto, que existiriam outras quatro dezenas de parlamentares ligados ao escândalo. A informação vem sendo tratada com cautela pelo integrantes da CPI. Porém, já foram encontradas ligações que representam novas transferências de recursos para beneficiários do esquema organizado pelo ex-tesoureiro do PT.

A CPI encontrou, por exemplo, novas transferências de dinheiro que, na avaliação dos integrantes da comissão, foram destinadas ao líder do PP na Câmara, José Janene (PR). Entre os assessores que constam da nova lista organizada pelo programa I2, estão a mulher de Janene, Stael Fernanda Rodrigues Lima, que foi funcionária da Câmara de 2001 a 2004, e uma assessora do gabinete do deputado paranaense, Rosângela Fortes de Carvalho.

Stael Fernanda, segundo a CPI, teria feito duas transferências para a Bônus-Banval nos valores de R$117.900 e R$53.100. A corretora já vem sendo investigada pela comissão como uma das empresas que teriam intermediado o repasse de recursos para o parlamentar. Sua filha, Michelle Kremmer Janene, trabalhou na empresa e dois outros funcionários da corretora sacaram dinheiro das contas de Valério no Banco Rural. Janene informou, por sua assessoria, que não comentaria o assunto.

Há inclusive uma divergência entre o que Valério diz ter destinado à Bônus e o que os sócios da empresa admitem ter recebido do esquema. Enquanto o empresário informou ter transferido R$3,5 milhões à corretora, o sócio da empresa, Enivaldo Quadrado, afirmou em depoimento à Polícia Federal que o valor chegou a R$6,5 milhões. Já a assessora de Janene Rosângela de Carvalho teria feito pequenas transferências de dinheiro para Meheidin Jenani, identificado pela CPI como um primo de Janene, e teria ligações com o próprio Quadrado.

Mesmo depois de ter renunciado para escapar do processo de cassação no Conselho de Ética, o ex-líder do PT na Câmara Paulo Rocha pode voltar a ser investigado pela CPI. Da lista gerada pelo sistema I2, faz parte também sua ex-assessora Anita Leocádia. Ela já havia sido identificada como a responsável, juntamente com Charles dos Santos Dias, por retirar da agência do Banco Rural em Brasília cerca de R$920 mil em dinheiro. A novidade é que ela manteve contatos também com a Multi Action, empresa de promoção de eventos de Valério, que foi responsável, por exemplo, por organizar as festas promovidas pelo empresário em hotéis da capital federal. Procurada pelo GLOBO, Anita não foi encontrada para explicar o motivo de seus contatos com a empresa de promoções de Valério.

Dois depósitos para aposentado

A CPI dos Correios pretende investigar ainda dois depósitos feitos na conta de um servidor aposentado da Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados. No fim de 2003, Armando Sampaio Lacerda, segundo a CPI, teria recebido dois depósitos no valor de R$73.185 cada. Ele havia se aposentado poucos meses antes, em agosto. Os pagamentos ocorreram no mesmo ano em que a SMP&B se tornou a agência de publicidade da Câmara. A CPI identificou ainda uma série de contatos telefônicos entre Lacerda e a agência. Procurado pelo GLOBO, Lacerda não retornou a ligação.

O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), afirmou que a comissão quer identificar o destino final de cerca de R$20 milhões dos R$55 milhões que passaram pelo valerioduto. Serraglio disse que para isso está sendo feito o novo cruzamento de dados. Ele acredita que os recursos recebidos por parlamentares podem ter sido distribuídos para outros políticos ou outras pessoas ainda não identificados.

¿ Os líderes renunciaram e protegeram a seqüência dos saques. Evidentemente não deixaram rastros. De certo modo, protegeram outros parlamentares. A nosso ver, o âmbito dos beneficiados está nos partidos denunciados ¿ afirmou Serraglio.

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