Título: O horror de volta em rebelião no Urso Branco
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 28/12/2005, O País, p. 8

Presos dizem já ter matado 16 pessoas, mas Secretaria de Segurança de Rondônia não confirma informação

BRASÍLIA.A Casa de Detenção José Mário Alves da Silva, em Porto Velho (RO), que ficou conhecida em todo o país quando presos rebelados exibiram para as câmeras cabeças de detentos decapitados, em abril de 2004, pode ter sido palco de novo espetáculo de horror. Em um motim que começou às 17h do domingo de Natal, presos disseram já ter assassinado 16 pessoas, entre elas detentos jurados de morte e parentes que foram capturados durante o horário de visita.

Autoridades do estado disseram não ter provas de que reféns tenham sido mortos, embora chefes da rebelião tenham exibido aparentemente dois corpos pendurados do alto de uma caixa d'água. Segundo a Secretaria de Segurança de Rondônia, até a noite de ontem havia pelo menos 203 reféns no presídio, conhecido como Urso Branco.

- Não há prova de que há mortos. Analisamos as imagens de um dos supostos corpos exibidos e parece um blefe (os corpos estavam cobertos) - disse o secretário de Segurança, Renato Eduardo de Sousa.

Birrinha é um dos líderes que controlam o presídio

Os rebelados exigem o retorno ao presídio de Ednildo Paula Souza, conhecido como Birrinha, transferido por ordem da Justiça na última sexta-feira para o presídio de Nova Mamoré, em Vila Nova, a 300 quilômetros de Porto Velho. Birrinha é um dos líderes da facção que controla o Urso Branco e está condenado a mais de cem anos de prisão por diversos crimes, entre eles homicídio, latrocínio, roubo e tráfico de drogas. O bandido também foi um dos comandantes da rebelião de abril de 2004.

Segundo o secretário de Segurança, o governo se mostrou disposto a ceder às exigências e transferiu Birrinha de Vila Nova para Porto Velho. O criminoso estaria em uma das celas da central de Polícia de Rondônia. Mas para devolver Birrinha ao Urso Branco, os negociadores do governo exigiram que os detentos libertassem todos os reféns e permitissem que a Polícia Militar realizasse uma varredura nas no presídio. O secretário de Segurança disse que o governo não foi condescendente.

- Acho que a exigência é aceitável porque há 203 pessoas em situação de risco lá dentro e nossa prioridade é preservar essas vidas. Além disso, a Administração do Sistema Penitenciário achou inconveniente a transferência dele (Birrinha), principalmente no fim de ano, em que os presídios ficam muito tensos.

No fim da tarde, os presos passaram a fazer novas exigências e o impasse aumentou. Segundo a Secretaria estadual de Administração Penitenciária, os detentos querem também a saída do promotor de Justiça Amadeu Sikorski Filho, da Vara de Execuções Penais de Porto Velho. Foi Sikorski quem pediu à Justiça a transferência de Birrinha para Vila Nova, onde o bandido estava preso sob o regime disciplinar diferenciado, no qual o detento não tem qualquer contato com outros presos.

Os rebelados exigiram ainda atendimento médico e redução do número de detentos nas celas. Atualmente com capacidade para abrigar 360 detentos, a penitenciária conta com cerca de 1.050 presos, segundo a Secretaria de Assuntos Penitenciários. Ontem, 80 policiais faziam a segurança externa do presídio. Os agentes penitenciários estão em greve.

No início da noite, as negociações passaram a ser acompanhadas por alguns jornalistas que cobriam a rebelião, também por exigência dos rebelados. Eles tiveram acesso ao interior do presídio juntamente com o PM Nilton Kissner, responsável pelas negociações.

ANO PASSADO, CENAS DE SELVAGERIA

Em abril de 2004, 14 presos foram assassinados com requintes de crueldade durante sete dias de rebelião no presídio Urso Branco. Os rebelados mataram um detento, cortaram e exibiram sua cabeça. Depois esquartejaram outro preso e jogaram pedaços do corpo no pátio. Segundo a Polícia Militar, quatro presos tiveram as cabeças decepadas e outros dois foram esquartejados. A rebelião só terminou depois que o governo de Rondônia atendeu a algumas reivindicações dos prisioneiros, como mudar o diretor do presídio.

Os 170 parentes tomados como reféns foram libertados um dia antes do fim da rebelião. Os rebelados destruíram grande parte da penitenciária. Arrancaram as grades das celas, quebraram paredes e instalações na administração. A situação era tão caótica que alguns presos tiveram que ser levados para a capela do presídio. Com capacidade para cerca de 300 detentos, o Urso Branco abrigava na época mais de mil presos.

As cenas de selvageria na rebelião foram acompanhadas por policiais, parentes e crianças, que assistiam a tudo do lado de fora do presídio.

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil desrespeitou recomendações do organismo internacional ao não tomar providências para evitar a matança no presídio Urso Branco.

Legenda da foto: PRESOS AMOTINADOS no presídio em Rondônia: até a noite de ontem havia pelo menos 203 reféns