Título: Resgate e perseguição na Ilha
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 28/12/2005, Rio, p. 13
Bandidos executam dois policiais na porta de fórum, mas preso libertado morre na fuga
Bandidos armados de fuzis e pistolas executaram dois policiais civis e resgataram um preso na porta do Fórum da Ilha do Governador, na manhã de ontem. Houve perseguição pela Estrada das Canárias e os criminosos, que usavam camisas e coletes da Polícia Civil, pularam um muro de três metros e com arame farpado, invadindo um terreno do Parque de Material Bélico da Aeronáutica. Depois de quase quatro horas de buscas, o bandido resgatado e um cúmplice foram mortos. Os outros conseguiram fugir, mas foram presos por volta das 20h30m, na própria Ilha. O secretário de Segurança, Marcelo Itagiba, disse que houve falha na escolta dos presos e determinou ao chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, que seja aberta uma sindicância para apurar o caso.
A ação dos bandidos, que seriam apenas três, segundo o delegado da 37ª DP (Ilha do Governador), Luiz Lima, aconteceu por volta de 11h30m. Um furgão da Polinter com apenas dois policiais levava sete presos que seriam ouvidos pela Justiça nos fóruns da Ilha, de Nova Iguaçu e de Belford Roxo. Quando o veículo parou em frente à entrada da garagem do Fórum da Ilha, os bandidos se aproximaram pelos dois lados e atiraram à queima-roupa nos policiais.
Fernando Guilherme Medeiros Queiroz, de 53 anos - que, segundo colegas, estava perto da aposentadoria - morreu na hora, atingido na cabeça. Luiz Hermes Ferraz Dantas, de 43 anos, que dirigia o furgão, levou um tiro no peito e um no rosto. Chegou a ser levado para o Hospital Paulino Werneck, na Ilha, mas não resistiu. Hermes estava de licença médica esta semana e foi trabalhar para ajudar Fernando. Ambos eram lotados na 59ªDP (Caxias). No momento, a guarita do Fórum estava vazia.
Bandidos roubaram armas dos policiais
Os bandidos arrebentaram o cadeado da porta traseira do furgão e resgataram Marcélio de Souza Andrade, de 29 anos, chefe do tráfico do Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho. Preso por agentes da 21ª DP (Bonsucesso) no dia 8, ele ia ser ouvido no processo que investiga os assassinatos de dois PMs e dois vigilantes da Fiocruz em maio do ano passado. Os outros presos, deixados para trás, também fugiram, mas foram recapturados logo em seguida. Eles contaram na 37ª DP que ficaram surpresos com a ação.
Os três bandidos e Marcélio fugiram levando duas pistolas calibre 40 e um fuzil dos policiais numa Blazer, em direção à saída da Ilha. Na Estrada das Canárias, uma picape da PM com cinco policiais conseguiu alcançar o grupo. Segundo os PMs, os criminosos desceram do carro e abriram fogo. O único fuzil com os policiais emperrou no segundo tiro.
- Nós nos jogamos no chão e ficamos trocando tiros apenas com pistolas - contou um dos PMs.
Logo em seguida, uma outra patrulha, com quatro PMs armados de fuzis, chegou pelo lado oposto. Os bandidos jogaram uma granada, que não explodiu, e pularam um muro, correndo em direção a uma área de mata no Parque de Material Bélico. Tudo aconteceu em frente a uma guarita, mas o sentinela da Aeronáutica não reagiu.
A saída da Ilha foi bloqueada pela PM e policiais de diversas delegacias e da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais foram mobilizados para as buscas. A Vila Joaniza, que é controlada por uma facção rival da de Marcélio, também foi cercada. Segundo o comandante do 17º BPM (Ilha), tenente-coronel Roberto Alves de Lima, 50 policiais civis e militares e 30 soldados da Aeronáutica participaram da caçada aos fugitivos. Às 14h, receberam auxílio de cães farejadores da polícia e da Aeronáutica.
Segundo o comandante, Marcélio e um outro bandido, não identificado, foram encontrados mortos na área militar. Com eles foi achado um fuzil HK, além do fuzil e das pistolas dos policiais mortos. Os outros dois criminosos - que não tiveram os nomes informados pela polícia - foram capturados só à noite, pulando o muro para deixar a área militar.
Lima disse que a PM não havia sido informada de que presos seriam transportados pela Polinter ontem.
- Nossa determinação era reforçar a segurança no Fórum mais tarde, quando o traficante Edmilson dos Santos, o Sassá, seria ouvido. Essa viatura da Polinter veio sem que soubéssemos - disse o oficial.
Ainda segundo o comandante, os bandidos não tinham alternativa senão deixar a Ilha, pois todas as favelas no bairro são controladas por facções rivais. O delegado afirmou que câmeras do Fórum flagraram o ataque dos bandidos. Além disso, câmeras da Aeronáutica filmaram o momento em que eles pularam o muro.
Dos sete presos que estavam no furgão da Polinter, quatro prestariam depoimento à Justiça na Ilha, entre eles Marcélio, dois em Nova Iguaçu e um em Belford Roxo. Segundo a Polinter, os detentos são deixados nas carceragens dos fóruns de manhã, sob a custódia de PMs, e apanhados ao fim do dia. Ainda de acordo com a Polinter, os presos estavam num carro que veio da 59ª DP porque a delegacia também tem carceragem. Assim, divide com a Polinter a tarefa diária de levar detentos aos fóruns. A delegacia informou que diariamente cerca de 350 presos são levados para audiências.
Um dos detentos mais perigosos do Rio, o traficante Sassá, de 34 anos, estava a poucos quilômetros do Fórum da Ilha quando bandidos resgataram o preso e mataram dois policiais. Ele seria ouvido pelo juiz Marcelo Villa, que disse acreditar que o objetivo da quadrilha era libertá-lo.
- Quando os bandidos abriram a porta do furgão, disseram que era só para o Sassá descer. Como ele não estava, pegaram o Marcélio, que é da mesma quadrilha, e fugiram. Foi uma ação ousada, mas atabalhoada. Eles erraram o carro - afirmou o juiz.
Essa versão foi confirmada na 37ªDP pelos presos recapturados. O delegado Milton Olivier, da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, no entanto, disse que o objetivo era de fato libertar Marcélio:
- Eles não iam montar uma operação como essa e errar de forma tão infantil. Temos que apurar a verdadeira importância do Marcélio.
Preso no dia 4 de novembro num esconderijo no Complexo da Maré, Sassá seria ouvido às 13h30m. Ele estava sendo levado num carro da Serviço de Operações Especiais, com escolta de três veículos da PM. A missão foi suspensa e o bandido, levado de volta para o presídio Bangu I.
BARREIRAS POLICIAIS DEIXAM BAIRRO ISOLADO na página 14
Juiz critica Polinter e secretaria
O juiz Marcelo Villas, da 1ª 1ª e da 2ª Vara Criminal da Ilha, criticou a escolta feita para levar o traficante Marcélio de Souza Andrade ao fórum:
- Houve um erro de avaliação grave da Polinter no transporte desses presos. Se Marcélio era de alta periculosidade, não deveria estar na Polinter. O lugar dele era em Bangu. Além disso, a escolta deveria ter sido muito maior. Houve falha da Secretaria de Segurança.
A principal crítica foi o uso de apenas dois agentes na escolta dos sete presos.
- Vamos checar se houve erro na avaliação sobre a periculosidade do preso - disse o chefe da Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, que criticou a legislação. - Isso poderia ser evitado se a legislação autorizasse audiências no presídio.
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Fernando Bandeira, responsabilizou a direção da Polinter pela morte dos policiais.
O secretário de Segurança, Marcelo Itagiba, disse, em nota, que concordava com as críticas do juiz. Ele determinou à Chefia de Polícia Civil que faça um relatório com as explicações da Polinter sobre a operação. De acordo com Itagiba, o setor de inteligência descobriu que Marcélio seria libertado para organizar um ataque a uma facção criminosa da Ilha.
* Do Extra
Legenda da foto: A ÁREA da Aeronáutica onde os dois bandidos foram encontrados mortos