Título: VAI SER BEM DIFÍCIL, LULA
Autor: CHICO SANTA RITA
Fonte: O Globo, 29/12/2005, Opinião, p. 7
Os prognósticos sobre o provável resultado das próximas eleições se multiplicam a cada nova rodada de pesquisas divulgadas. Analistas buscam definir as chances de Lula, do candidato do PSDB ou mesmo de uma terceira ou quarta via.
Mas a experiência tem mostrado que é muito cedo para dar importância a essas quantitativas. Dois ou doze pontos, na frente ou atrás, querem dizer muito pouco agora. A análise que costumo fazer vai por outro caminho, menos aritmético, mais focado em indicadores que aparecerão com força durante a campanha, medindo potencialidades menos suscetíveis às variações que podem ocorrer com a intenção de voto.
Aqui mesmo no GLOBO, há oito anos, expus uma opinião que contradizia os números correntes e os ¿achômetros¿ dos ¿especialistas¿. FHC aparecia como candidato ao segundo mandato, mas seu governo claudicava, ainda abalado por três perdas imensas: Sérgio Motta, grande estrategista; Luiz Eduardo Magalhães, magnífico articulador; e Geraldo Walter, extraordinário consultor de marketing político, tinham morrido prematuramente. Lula crescia, embalado por aquilo que o PT sempre soube fazer melhor: oposição radicalizada. Parecia à primeira vista que a reeleição recém-aprovada nem mesmo seria provada pelos tucanos.
O governo tinha o que mostrar, mas vinha se comunicando muito mal. A estabilidade não era apenas monetária. Os indicadores sociais apontavam crescimento significativo. Daí a previsão, no texto: ¿Basta que se acerte a sintonia entre as ações e os atos de comunicá-las, que os sinais de recuperação do prestígio eleitoral virão, inevitavelmente.¿ O presidente acabou reeleito.
Hoje é Lula quem está no poder, faltam dez meses para a eleição, o governo claudica e ele também perdeu auxiliares equivalentes ¿ Dirceu, Genoíno e Duda ¿- , abatidos por morte política. Os níveis de aprovação ainda são aceitáveis, apesar da queda que, teoricamente, pode ser interrompida. Parece se repetir o quadro de oito anos atrás.
Só que agora há componentes que mostram dificuldades para empreender a recuperação, encaminhando para um resultado oposto. Os problemas começam na própria composição dos números pesquisados. O que resta de prestígio a Lula está concentrado nas periferias das grandes cidades, entre a população mais pobre, e nas regiões Norte e Nordeste, segundo as recentes pesquisas Ibope, DataFolha e Sensus. Isso se explica pelo fato de que, infelizmente, vivemos num país de iletrados, onde as informações demoram mais para atingir as pessoas nessas áreas, e assim formar o consciente coletivo que leva às grandes decisões.
Fenômeno semelhante ocorreu recentemente na rápida campanha do Referendo, quando o crescimento avassalador do ¿Não¿ foi mais lento nas mesmas regiões. Tivesse mais alguns dias de campanha e a derrota do ¿Sim¿ poderia ter sido ainda mais acachapante.
A conscientização demora... mas chega! E a próxima campanha eleitoral será muito mais ampla e mais contundente, reunindo tudo o que se dispersou no tempo anterior, dos bingos do Waldomiro ao mensalão do Dirceu, só para falar no que já existe de fato.
Essa agenda negativa talvez pudesse ser minimizada por obras e realizações, renascendo o já usado ¿rouba, mas faz¿, agora em versão petista. (Afinal, há muitos aliados do governo que são especialistas no bordão.) Mas o tempo para isso passou e a atual correria em alguns ministérios, tentando gastar verbas orçamentárias que ficaram por meses paralisadas, irá parecer eleitoreira. Não se constrói infra-estrutura de um momento para outro. Não dá para recuperar, como num passe de mágica, investimentos que não foram feitos. Não se faz obra com discurso.
Os méritos de uma economia com aparência saudável podem se dissipar quando questionado o que isso trouxe de benefícios reais para a população. Resta ver se alguns avanços sociais, hoje superdimensionados em comerciais televisivos, serão suficientes para sustentar a campanha de reeleição.
Mais provável é que a mistura explosiva de ineficiência + ganância + prepotência, que está marcando o governo, tenha, na campanha eleitoral, a sua hora da verdade. O jogo será muito pesado. Para a população restará fazer valer o seu voto. E continuar na maior torcida, mesmo após a Copa do Mundo estar terminada. Desta vez para que o Brasil, o país, se saia bem dessa.
CHICO SANTA RITA é consultor em marketing político e foi coordenador da campanha publicitária do ¿Não¿ no referendo sobre armas.