Título: É tempo de barbárie
Autor: IB TEIXEIRA
Fonte: O Globo, 29/12/2005, Opiniao, p. 7
Vai de vento em popa a barbárie no Brasil. Sob os olhares indulgentes dos três poderes da República, cresce em forma exponencial o obituário imposto pela delinqüência mais ensandecida. Segundo os números oficiais que ainda não incluem latrocínios, encontros de ossadas e cadáveres, estamos fechando 2005 com algo em torno de 40 homicídios por 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, considerado um país violento e onde as armas são vendidas em cada esquina, são apenas 6,9 por 100 mil. Quase a sexta parte! Outros números comparáveis aos nossos são eloqüentes. Na Espanha há o registro de 0,8 homicídio por 100 mil espanhóis; na Alemanha, 0,9; no Japão, 0,7; e na França, apenas 0,7. Entre nossos vizinhos, 3 no Chile e 4 na Argentina. Nós, brasileiros, já suportamos algo além dos 40!
Atos de extrema brutalidade já são parte de nosso cotidiano. Alguns vão às raias do impensável . Como o incêndio do ônibus e a cremação de cinco passageiros e lesões gravíssimas em dezenas de outros. Mas os poderes públicos permanecem indiferentes a esta ignominiosa realidade. E não falta quem, como o atual ministro da Justiça, pretenda derrogar a única legislação mais dura para o assassino irrecuperável: a lei dos crimes hediondos.
Há ainda a retórica das ONGs financiadas com dinheiro farto. Uma delas, a Anistia Internacional, pediu recentemente que o governo proibisse o uso nas favelas dos blindados da Polícia Militar. Desejam por acaso que em lugar dos ¿caveirões¿ os policiais enfrentem os AR-15 dos bandidos com buquês de flores... Aliás, não deixa de ser vergonhosa a subserviência do país ante tais entidades. Inclusive ante algumas agências das Nações Unidas que falam e opinam com desenvoltura sobre problemas da intimidade nacional. Nosso Itamaraty chega a ignorar a própria Carta da ONU cujo preâmbulo veda rigorosamente a ingerência de seus funcionários e suas agências nos assuntos internos de qualquer nação.
Para tornar nossa realidade ainda mais dramática, nossos juízes ¿ exceções à parte ¿ vão esvaziando as prisões. Alegam que as celas estão cheias, esquecendo-se de que ainda mais repletos estão os cemitérios com as vítimas dos homicídios e dos latrocínios. Juristas pedem o fim das prisões. Um deles, em documento oficial, diz que ¿a prisão é inadequada e quase sempre perniciosa¿. Mas se o jurista falou em tese, os tribunais agem na prática. Semanas atrás, o STJ pôs em liberdade dona Suzane Richthofen, a loura de farmácia que comandou o monstruoso latrocínio que vitimou seus país. Com ela saíram em liberdade, fagueiros e risonhos, os ignóbeis irmãos Cravinhos, réus confessos do crime monstruoso.
Também aquele funcionário do Senado que enterrou viva a mulher pouco tempo depois estava em liberdade, protegido pelo cumprimento de 1/6 da pena. Igualmente em liberdade se encontra o jornalista que assassinou por motivo torpe sua namorada também jornalista. Nós fizemos a conta aproximada do número de assassinos que no Brasil estão livres, sem condenação. Considerando-se os homicídios e os processos que passam pelos tribunais do júri, seriam, no mínimo, 500 mil! Um recorde para o livro dos recordes.
É claro que as raízes de nossa barbárie são frondosas. Elas se encontram na explosão demográfica que faz o Brasil duplicar sua população em apenas 18 anos ¿ países ricos levam de 200 a 300 anos! ¿ e para não ir mais longe no explosivo processo de urbanização que avança ano a ano. Vem daí o colapso de nosso sistema de ensino e a paralisia de nossa Justiça. Sem falar de nossa fantástica ilha da fantasia que é Brasília.
Mas há algo mais que os poderes do Estado insistem em ignorar: a absoluta incapacidade institucional do país para enfrentar a onda bárbara. Sem leis penais adequadas, sem verbas para presídios, sem um sistema repressivo eficaz, sem a presença das Forças Armadas que se encontram fazendo no Haiti o que deveriam fazer aqui, vamos fingindo que combatemos a delinqüência assassina, enquanto ela já domina de fato nossos campos, nossas ruas e nossas cidades. Registre-se, por derradeiro, nossa assombrosa capacidade de nos acostumarmos a isso.
IB TEIXEIRA é advogado e jornalista