Título: OS FILHOS DO TRÁFICO
Autor: GERALDO TADEU MOREIRA MONTEIRO
Fonte: O Globo, 29/12/2005, Opinião, p. 7

Asociedade parece ter se surpreendido não só com o envolvimento de uma menina de 13 anos em uma ousada e sangrenta ação comandada por um perigoso traficante de drogas ¿ o incêndio de um ônibus no subúrbio do Rio, com cinco mortos¿, mas principalmente com sua frieza e absoluta falta de remorso. Frieza que, paradoxalmente, contrasta com a viva emoção da inspetora Marina Magessi, que, apesar de curtida por uma longa carreira policial, chorou como mulher e como mãe, impotente diante da miséria e da violência a que estamos submetendo nossas crianças e adolescentes. Uma lógica cruel que os condena à marginalidade, ao crime e à morte prematura.

Embora o fenômeno pareça novo, a polícia e os especialistas em segurança pública já o vêm denunciando há mais de uma década, desde os pioneiros estudos de Alba Zaluar sobre a lógica do ferro e do fumo nas classes populares. Já em 1983, a autora afirmava: ¿O recrutamento para a vida de bandido se dá na faixa dos 10 anos, quando os garotos já iniciaram a carreira fazendo mandados para os traficantes, e termina por volta dos 25 anos, quando a maioria dos bandidos pobres desta cidade já dessangrou com algum tiro no corpo.¿ Há pelo menos 22 anos essa batalha pela vida vem sendo perdida pela sociedade.

As pesquisas recentes mostram que a idade média de ingresso no tráfico de drogas é de apenas 13 anos e que aos 8 anos muitos meninos já atuam como olheiros ou fogueteiros. Com 15 anos já são soldados armados, com 19 anos gerentes de boca-de-fumo, aos 22 anos chefes de facção, para, aos 25 anos, serem presos ou mortos. Segundo dados do Datasus, na faixa de 15 a 24 anos a taxa de mortalidade equivale a seis vezes a média nacional, sendo que no Rio de Janeiro o índice é nove vezes maior. Nessa faixa etária são cometidos 44% de todos os homicídios por arma de fogo, o que, computado o número de assassinatos nos últimos dez anos no Estado do Rio, representa o incrível número de 33 mil jovens mortos. Além das vidas desperdiçadas, segundo cálculos de economistas, isso representa mais de R$1,758 bilhão em atendimento médico, perda de produtividade, pagamento de pensões, entre outros custos para o país. É um verdadeiro genocídio da nossa juventude.

Crianças e adolescentes formam o grosso das fileiras do tráfico de drogas, hoje. As ¿crianças-soldado¿ são mais destemidas, mais voluntariosas que os adultos; mais sensíveis às recompensas imediatas do crime: poder, mulheres e dinheiro; aprendem rápido e, mais que isso, são protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o que as torna recrutas preferenciais do tráfico de drogas. Por isso, a máquina do tráfico de drogas é comandada por pós-adolescentes que, por sua vez, comandam milícias de crianças e adolescentes. O tráfico é hoje a principal causa de prisões de jovens no Rio de Janeiro. Na Capital, segundo dados do Degase, 53% dos jovens infratores foram presos por tráfico de drogas, chegando a 82% na Zona Oeste. São meninos que, em 92,5%, são analfabetos ou sequer completaram a 4ª série, o que demonstra que a falta de oportunidades de educação está diretamente ligada à entrada na criminalidade. As estatísticas também confirmam a importância da família neste processo: enquanto 58% dos jovens moradores de rua são reincidentes, por outro lado, 63% dos que vivem com pais ou familiares não reincidem. Igualmente, os jovens que vivem em instituições de acolhimento são os que menos voltam a delinqüir (apenas 32%), demonstrando que onde há regras estabelecidas a derrapagem na criminalidade diminui abruptamente.

Há mais de 20 anos os pesquisadores vêm produzindo diagnósticos e alertando as autoridades e a sociedade sobre a calamidade da situação desses jovens brasileiros já massacrados pela miséria, pelo preconceito e pela falta de oportunidades. Um Poder Público ausente e uma sociedade desinformada contribuem, juntamente com a exclusão social e a violência, para o genocídio dos nossos jovens. As saídas são as mesmas de sempre: educação, saúde, emprego, renda, ou, numa palavra: cidadania. E a resposta do Poder Público é a mesma de sempre: omissão. Até 2025!

GERALDO TADEU MOREIRA MONTEIRO é diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social.